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Três empresários de ônibus passaram suas companhias para o Uruguai, protegendo-se contra arresto de bens
Viações de SP têm sócios em paraíso fiscal
CHICO DE GOIS
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Três empresários de ônibus que
atuam na cidade de São Paulo e
participam da licitação do transporte coletivo transferiram viações para sócios do Uruguai, conhecido paraíso fiscal, em uma
operação que poderá proteger os
proprietários de um eventual arresto de bens por conta de dívidas
e ações judiciais no Brasil.
As transações foram feitas em
2000 e 2002 e sofreram modificações às vésperas da concorrência
lançada pela prefeita Marta Suplicy (PT) para selecionar novos
operadores por até 15 anos.
Das três empresas de ônibus envolvidas, duas -a Vila Leopoldina e a Penha São-Miguel-, embora registrem sócios diferentes,
têm um mesmo endereço como
sede: calle [rua] Juncal, 1.327, conjunto 2.201, Montevidéu. A terceira viação é a Gatusa. O endereço
registrado é calle [rua] Sarandi,
693, piso 3, Montevidéu -onde
funciona um escritório de consultoria, contabilidade e auditoria.
Solution descredenciada
A cidade também tinha outra
empresa, a Solution Bus, que operava em caráter emergencial, mas
que no sábado passado foi inabilitada pela prefeitura para assinar
novos contratos emergenciais e
participar da concorrência. O descredenciamento dela e de outras
oito viações motivou ontem uma
greve geral de ônibus. O registro
na Junta Comercial de São Paulo
aponta as empresas Cathia e Kingol como sócias da Solution. Representante delas, Joeci Donato
dos Santos confirmou à Folha
que elas tinham sócios uruguaios.
A Gatusa participa diretamente
da licitação do novo modelo de
transporte da prefeitura e, assim
como a Leopoldina, acabou de
entrar na nova contratação emergencial da administração Marta
Suplicy, válida por até 180 dias.
A Vila Leopoldina e a Penha
São-Miguel não entraram "diretamente" na licitação, mas seus
sócios participam dessa disputa
por meio de outras viações.
"Offshores"
A operação que transferiu a sociedade dessas empresas de ônibus ao Uruguai foi efetivada com
a criação de "offshores". Trata-se
de companhias com ações que
podem ser ao portador ou nominais. Na prática, permitem, por
meio de ao menos um diretor,
manter o anonimato dos proprietários, assim como a livre disposição das ações entre os donos.
A criação de empresas no exterior não é ilegal, desde que declarada à Receita Federal. Especialistas em direito tributário e procuradores da República ouvidos pela Folha, entretanto, vêem com
reservas essas transações.
Na maioria dos casos, dizem, as
"offshores" são usadas para lavar
dinheiro ou para "proteger" os
reais proprietários do arresto de
bens. Se essas viações deixarem
de pagar dívidas no Brasil e forem
acionadas judicialmente, por
exemplo, os credores podem não
ter como identificar quem são os
verdadeiros donos, já que a lei
uruguaia os mantém sob sigilo.
A viação Penha-São Miguel,
fundada em 1943, pertencia oficialmente, até março de 2000, à família do empresário José Ruas
Vaz, líder do transporte coletivo
paulistano. Na ocasião, a família
registrou na Junta Comercial que
estava se retirando da sociedade e
repassando-a para duas "offshores": Vathia Corporation e Pombia International. O valor da transação seria de R$ 14 milhões.
O grupo Ruas, que detém mais
de 30% da frota de São Paulo, disputa a atual licitação do transporte coletivo por meio das viações
Via Sul, Expandir, Cidade Dutra,
Campo Belo e Itaim Paulista.
A volta dos Ruas
Depois da transação feita em
2000, a família Ruas voltou a entrar na sociedade da Penha-São
Miguel sob a alegação de que a negociação seria desfeita. Em janeiro de 2003, porém, retirou-se novamente, deixando apenas as empresas uruguaias na viação.
Documento obtido pela Folha
demonstra que somente ao INSS
a empresa devia mais de R$ 100
milhões, mas optou pelo Refis,
programa criado no governo
FHC para parcelamento de débitos. Com isso, passou a ser considerada regular. A adesão ao Refis
ocorreu até 30 de abril de 2000,
cerca de um mês antes de a Penha-São Miguel ser "vendida" para as duas "offshores".
A Leopoldina foi constituída em
setembro de 1996, com um capital
social de R$ 10.500. Em maio de
2000, admitiu na sociedade a Tosno S/A, com sede em Montevidéu. O capital social dela, em outubro de 2001, aumentou para R$
602,5 mil, sendo a Tosno dona de
R$ 596,4 mil (99%) do montante.
Em janeiro de 2002, José Crisóstomo da Silva era representante
oficial da empresa. Ele foi substituído, em outubro de 2002, por
Edson Alves Gouveia.
Leopoldina/Villa Lobos
A Leopoldina, oficialmente, não
participa da concorrência da prefeitura, mas Crisóstomo aparece
como sócio da viação Villa Lobos,
criada em dezembro de 2001 e que
faz parte do consórcio Sudoeste.
O endereço de Crisóstomo é
igual ao da Expresso Talgo -avenida Águia de Haia, 2.970, em Cidade A.E.Carvalho, na zona leste.
A Talgo, que oficialmente não
concorre na licitação, tem como
sócia a Expandir, da família Ruas.
A atual razão social da Gatusa é
de dezembro de 2001. Em abril de
2002, a Livonpride S/ A, sediada
em Montevidéu no escritório Dovat, Carriquiry & Associados, tornou-se sua sócia majoritária.
Quando foi criada, ela tinha um
capital social de R$ 10 mil. Depois
de quatro meses, aumentou para
R$ 25 mil e, em fevereiro deste
ano, elevou para R$ 2,3 milhões.
Dessa cifra, a Livonpride é a
principal sócia, com 99,6% do
controle. Quem dirige a Gatusa,
porém, é a brasileira Nadia Dalal
Racy Saad, que tem participação
de R$ 9.900 na sociedade.
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