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São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2003

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Três empresários de ônibus passaram suas companhias para o Uruguai, protegendo-se contra arresto de bens

Viações de SP têm sócios em paraíso fiscal

CHICO DE GOIS
ALENCAR IZIDORO

DA REPORTAGEM LOCAL

Três empresários de ônibus que atuam na cidade de São Paulo e participam da licitação do transporte coletivo transferiram viações para sócios do Uruguai, conhecido paraíso fiscal, em uma operação que poderá proteger os proprietários de um eventual arresto de bens por conta de dívidas e ações judiciais no Brasil.
As transações foram feitas em 2000 e 2002 e sofreram modificações às vésperas da concorrência lançada pela prefeita Marta Suplicy (PT) para selecionar novos operadores por até 15 anos.
Das três empresas de ônibus envolvidas, duas -a Vila Leopoldina e a Penha São-Miguel-, embora registrem sócios diferentes, têm um mesmo endereço como sede: calle [rua] Juncal, 1.327, conjunto 2.201, Montevidéu. A terceira viação é a Gatusa. O endereço registrado é calle [rua] Sarandi, 693, piso 3, Montevidéu -onde funciona um escritório de consultoria, contabilidade e auditoria.

Solution descredenciada
A cidade também tinha outra empresa, a Solution Bus, que operava em caráter emergencial, mas que no sábado passado foi inabilitada pela prefeitura para assinar novos contratos emergenciais e participar da concorrência. O descredenciamento dela e de outras oito viações motivou ontem uma greve geral de ônibus. O registro na Junta Comercial de São Paulo aponta as empresas Cathia e Kingol como sócias da Solution. Representante delas, Joeci Donato dos Santos confirmou à Folha que elas tinham sócios uruguaios.
A Gatusa participa diretamente da licitação do novo modelo de transporte da prefeitura e, assim como a Leopoldina, acabou de entrar na nova contratação emergencial da administração Marta Suplicy, válida por até 180 dias.
A Vila Leopoldina e a Penha São-Miguel não entraram "diretamente" na licitação, mas seus sócios participam dessa disputa por meio de outras viações.

"Offshores"
A operação que transferiu a sociedade dessas empresas de ônibus ao Uruguai foi efetivada com a criação de "offshores". Trata-se de companhias com ações que podem ser ao portador ou nominais. Na prática, permitem, por meio de ao menos um diretor, manter o anonimato dos proprietários, assim como a livre disposição das ações entre os donos.
A criação de empresas no exterior não é ilegal, desde que declarada à Receita Federal. Especialistas em direito tributário e procuradores da República ouvidos pela Folha, entretanto, vêem com reservas essas transações.
Na maioria dos casos, dizem, as "offshores" são usadas para lavar dinheiro ou para "proteger" os reais proprietários do arresto de bens. Se essas viações deixarem de pagar dívidas no Brasil e forem acionadas judicialmente, por exemplo, os credores podem não ter como identificar quem são os verdadeiros donos, já que a lei uruguaia os mantém sob sigilo.
A viação Penha-São Miguel, fundada em 1943, pertencia oficialmente, até março de 2000, à família do empresário José Ruas Vaz, líder do transporte coletivo paulistano. Na ocasião, a família registrou na Junta Comercial que estava se retirando da sociedade e repassando-a para duas "offshores": Vathia Corporation e Pombia International. O valor da transação seria de R$ 14 milhões.
O grupo Ruas, que detém mais de 30% da frota de São Paulo, disputa a atual licitação do transporte coletivo por meio das viações Via Sul, Expandir, Cidade Dutra, Campo Belo e Itaim Paulista.

A volta dos Ruas
Depois da transação feita em 2000, a família Ruas voltou a entrar na sociedade da Penha-São Miguel sob a alegação de que a negociação seria desfeita. Em janeiro de 2003, porém, retirou-se novamente, deixando apenas as empresas uruguaias na viação.
Documento obtido pela Folha demonstra que somente ao INSS a empresa devia mais de R$ 100 milhões, mas optou pelo Refis, programa criado no governo FHC para parcelamento de débitos. Com isso, passou a ser considerada regular. A adesão ao Refis ocorreu até 30 de abril de 2000, cerca de um mês antes de a Penha-São Miguel ser "vendida" para as duas "offshores".
A Leopoldina foi constituída em setembro de 1996, com um capital social de R$ 10.500. Em maio de 2000, admitiu na sociedade a Tosno S/A, com sede em Montevidéu. O capital social dela, em outubro de 2001, aumentou para R$ 602,5 mil, sendo a Tosno dona de R$ 596,4 mil (99%) do montante.
Em janeiro de 2002, José Crisóstomo da Silva era representante oficial da empresa. Ele foi substituído, em outubro de 2002, por Edson Alves Gouveia.

Leopoldina/Villa Lobos
A Leopoldina, oficialmente, não participa da concorrência da prefeitura, mas Crisóstomo aparece como sócio da viação Villa Lobos, criada em dezembro de 2001 e que faz parte do consórcio Sudoeste.
O endereço de Crisóstomo é igual ao da Expresso Talgo -avenida Águia de Haia, 2.970, em Cidade A.E.Carvalho, na zona leste. A Talgo, que oficialmente não concorre na licitação, tem como sócia a Expandir, da família Ruas.
A atual razão social da Gatusa é de dezembro de 2001. Em abril de 2002, a Livonpride S/ A, sediada em Montevidéu no escritório Dovat, Carriquiry & Associados, tornou-se sua sócia majoritária.
Quando foi criada, ela tinha um capital social de R$ 10 mil. Depois de quatro meses, aumentou para R$ 25 mil e, em fevereiro deste ano, elevou para R$ 2,3 milhões.
Dessa cifra, a Livonpride é a principal sócia, com 99,6% do controle. Quem dirige a Gatusa, porém, é a brasileira Nadia Dalal Racy Saad, que tem participação de R$ 9.900 na sociedade.


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