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PASQUALE CIPRO NETO
"Arrasta os móveis, e as pernas..."
Há três semanas, tratei do
emprego da vírgula antes
da conjunção "e". O mote foi este
título jornalístico, de gosto duvidoso: "Corinthians perde atletas,
jogo e racha fora de campo".
Terminei o texto citando Olavo
Bilac ("Trabalha, e teima, e lima,
e sofre, e sua") e Vinicius de Moraes ("...e com tal zelo, e sempre, e
tanto..."). Nesses exemplos, registra-se um dos casos em que se emprega a vírgula antes da conjunção "e". Trata-se da figura do
"polissíndeto" (palavra grega),
que, como a tradução do nome
revela ("vários" + "ligado", "unido"), consiste na repetição da
conjunção ("e", nos casos vistos).
Vimos que a repetição da conjunção "e" provoca a sensação de
que a oração iniciada por esse conectivo encerrará o período, o que
não ocorre. Com isso, prolonga-se
a expectativa do fim e, conseqüentemente, obtém-se ênfase
para cada uma das orações que a
conjunção "e" introduz.
E quando mais se pode (ou deve) usar a vírgula antes do "e"?
Vamos pensar neste exemplo:
"Depois de todo esse esforço, ele
ainda consegue arrastar os móveis, e as pernas nem se arqueiam". Que faz aí o "e"? Une
termos ("os móveis" e "as pernas")? Não, esse "e" não une termos, une orações, que, no caso,
não têm o mesmo sujeito -fato-chave da nossa questão.
O sujeito da primeira oração é
"ele"; o sujeito da segunda é "as
pernas". As gramáticas costumam dizer que é desejável a vírgula antes do "e" quando essa
conjunção liga orações de sujeitos
diferentes. O motivo é simples:
clareza, leitura reta, captação
imediata da mensagem.
Sem a vírgula antes do "e", provavelmente a primeira leitura do
texto seria feita como se o sujeito
("ele") arrastasse os móveis e as
pernas. Ao chegar ao que vem depois de "as pernas" ("nem se arqueiam"), o leitor perceberia que
a estrutura sintática é outra, mas
já seria tarde. A opção seria recomeçar a leitura da frase.
Em outras palavras, a vírgula
antes da conjunção impede que o
leitor entenda (num primeiro
momento) "móveis" e "pernas"
como complementos de "arrastar", ou seja, impede que o leitor
passe "batido" pelo fato de que o
"e" não encerra uma enumeração
de termos, mas soma orações (que
têm sujeitos diferentes).
E quando as orações ligadas por
"e" têm o mesmo sujeito? Em tese,
a vírgula é dispensável, desnecessária, mas não é raro seu emprego, sobretudo quando se quer enfatizar a oração introduzida pelo
"e". Esse emprego é mais comum
em textos literários, filosóficos etc.
Em textos jornalísticos, por exemplo, seu emprego não costuma
ocorrer. Não haveria ênfase que
justificasse uma vírgula antes do
"e" de "Os ladrões invadiram a
agência e prenderam todos os
clientes no banheiro".
Convém lembrar que antes de
"etc." a vírgula é optativa. Os que
se guiam pela etimologia não empregam a vírgula, já que "etc." é a
abreviatura da expressão latina
"et cetera", que significa "e as demais coisas". Procedem assim o
"Dicionário Houaiss" e a Folha,
por exemplo.
Quem não leva em conta a origem considera o "etc." um elemento a mais da enumeração e,
por isso, emprega a vírgula. Procedem assim o "Aurélio" e o "Vocabulário Ortográfico" (no texto
do "Formulário Ortográfico"). A
escolha é sua. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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