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MARIA INÊS DOLCI
Alô, alô, STJ
Mudam os planos, sucedem-se os presidentes, mas o sofrimento de quem não está no poder não tem fim
BRASILEIRO É APAIXONADO por
automóvel. O transporte coletivo urbano, na maioria das
cidades de médio e grande portes
está longe de oferecer conforto ao
passageiro. O proprietário de um
carro paga vários impostos e taxas
aos governos federal, estadual e
municipal para rodar nas cidades
ou nas estradas. Em função dos valores bilionários movimentados pela indústria automotiva direta e indiretamente, esses consumidores
são respeitados e têm segurança para estacionar seus veículos, transitar em ruas e estradas, ou, ainda, na
hora de comprar seu automóvel.
As primeiras asserções acima são
verdadeiras. A última, não poderia
ser mais falsa. Pagar IPVA, seguro
obrigatório, licenciamento, multas,
pedágios, mais de 30% de impostos
no preço final do veículo, estacionamento na zona azul, não nos impede de ser assaltados no semáforo.
Nem nos desobriga de recorrer a
manobristas, de pagar caríssimo
em estacionamentos privados, de
arcar com seguro particular nem de
estourar pneus, amortecedores e
protetores de cárter em buracos,
desníveis ou tampas de bueiro.
Não bastasse essa comédia bufa,
sem graça nenhuma, há milhares de
brasileiros que "tomaram um chapéu" do governo federal, em 1999,
quando o real atrelado ao dólar oscilou, transformando seus leasing
automotivos em dívidas impagáveis. O leasing, para quem não está
lembrado, é um financiamento que
se assemelha a um aluguel.
Quem comprou seu carro em
1998, por exemplo, com base na variação cambial, levou uma cacetada
a partir de fevereiro do ano seguinte, pois o dólar não parou de se valorizar frente ao real. Recorreu à Justiça, provavelmente, mas está há oito longos anos com um mico nas
mãos. Sim, porque um veículo se
desvaloriza rapidamente. E somente agora o STJ (Superior Tribunal
de Justiça) está para definir se o
consumidor arcará mesmo com o
leasing cambial inflacionado do dia
para a noite, em uma flagrante quebra da ordem econômica. Ou se valerá outro indexador, como o INPC
(Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
Há casos, como o do Pactual, em
que o banco que fez o leasing cambial nem sequer existe hoje. Por que
uma situação tão desgastante, na
qual o cidadão paga muito caro por
confiar nas instituições, ainda não
foi resolvida? Quando se fala que os
investidores são afastados do Brasil
em conseqüência da insegurança
institucional, raramente se lembra
de que os mais prejudicados com isso são os brasileiros. Que, para usar
linguagem tão em voga hoje em
Brasília, são constantemente driblados em seus direitos.
É uma vergonha, uma falta de respeito, que donos de veículos façam
companhia a mutuários do SFH
(Sistema Financeiro de Habitação),
estes atingidos pelo Plano Collor.
Mudam os planos, sucedem-se os
presidentes da República, mas o sofrimento de quem não está no
poder não tem fim.
É duro ser brasileiro de classe média e ter, constantemente, os bolsos
saqueados para pagar benesses em
nome dos governantes de plantão.
E, na hora de valer seus direitos, receber uma risada como resposta.
NA INTERNET - http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br
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