São Paulo, terça-feira, 08 de maio de 2007

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MARIA INÊS DOLCI

Alô, alô, STJ

Mudam os planos, sucedem-se os presidentes, mas o sofrimento de quem não está no poder não tem fim

BRASILEIRO É APAIXONADO por automóvel. O transporte coletivo urbano, na maioria das cidades de médio e grande portes está longe de oferecer conforto ao passageiro. O proprietário de um carro paga vários impostos e taxas aos governos federal, estadual e municipal para rodar nas cidades ou nas estradas. Em função dos valores bilionários movimentados pela indústria automotiva direta e indiretamente, esses consumidores são respeitados e têm segurança para estacionar seus veículos, transitar em ruas e estradas, ou, ainda, na hora de comprar seu automóvel.
As primeiras asserções acima são verdadeiras. A última, não poderia ser mais falsa. Pagar IPVA, seguro obrigatório, licenciamento, multas, pedágios, mais de 30% de impostos no preço final do veículo, estacionamento na zona azul, não nos impede de ser assaltados no semáforo. Nem nos desobriga de recorrer a manobristas, de pagar caríssimo em estacionamentos privados, de arcar com seguro particular nem de estourar pneus, amortecedores e protetores de cárter em buracos, desníveis ou tampas de bueiro.
Não bastasse essa comédia bufa, sem graça nenhuma, há milhares de brasileiros que "tomaram um chapéu" do governo federal, em 1999, quando o real atrelado ao dólar oscilou, transformando seus leasing automotivos em dívidas impagáveis. O leasing, para quem não está lembrado, é um financiamento que se assemelha a um aluguel.
Quem comprou seu carro em 1998, por exemplo, com base na variação cambial, levou uma cacetada a partir de fevereiro do ano seguinte, pois o dólar não parou de se valorizar frente ao real. Recorreu à Justiça, provavelmente, mas está há oito longos anos com um mico nas mãos. Sim, porque um veículo se desvaloriza rapidamente. E somente agora o STJ (Superior Tribunal de Justiça) está para definir se o consumidor arcará mesmo com o leasing cambial inflacionado do dia para a noite, em uma flagrante quebra da ordem econômica. Ou se valerá outro indexador, como o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
Há casos, como o do Pactual, em que o banco que fez o leasing cambial nem sequer existe hoje. Por que uma situação tão desgastante, na qual o cidadão paga muito caro por confiar nas instituições, ainda não foi resolvida? Quando se fala que os investidores são afastados do Brasil em conseqüência da insegurança institucional, raramente se lembra de que os mais prejudicados com isso são os brasileiros. Que, para usar linguagem tão em voga hoje em Brasília, são constantemente driblados em seus direitos.
É uma vergonha, uma falta de respeito, que donos de veículos façam companhia a mutuários do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), estes atingidos pelo Plano Collor. Mudam os planos, sucedem-se os presidentes da República, mas o sofrimento de quem não está no poder não tem fim.
É duro ser brasileiro de classe média e ter, constantemente, os bolsos saqueados para pagar benesses em nome dos governantes de plantão. E, na hora de valer seus direitos, receber uma risada como resposta.


NA INTERNET - http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br


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