São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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DORMINDO COM O INIMIGO
Justiça faz mapa da contaminação nas delegacias paulistanas e acha de sarna a tuberculose
Preso divide cela com doenças contagiosas

MARCELO GODOY
da Reportagem Local

Os presos de São Paulo estão dividindo as celas superlotadas dos distritos policiais da cidade com doenças infecto-contagiosas como a Aids, a hepatite, a sífilis e até mesmo a tuberculose.
Um levantamento inédito do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e da Polícia Civil constatou a existência de 56 presos com tuberculose diagnosticada e 80 com exame de HIV -vírus causador da Aids- positivo.
Ao todo foram informados pelas delegacias, que mantêm cerca de 10 mil presos, 178 casos de doenças infecto-contagiosas, 22 casos de doenças mentais e outros nove presos com problemas gravíssimos de saúde, como leucemia.
Médicos, policiais e presos são unânimes em afirmar que o número de doentes, principalmente os tuberculosos, é bem maior.
"É uma situação trágica", diz o diretor-geral do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Guido Carlos Levy. Essa é a mesma opinião do médico Dráusio Varela, autor de estudos sobre contaminação pelo vírus HIV, na Casa de Detenção de São Paulo.
"A Aids fez renascer a tuberculose. Ela não passa no contato casual, mas a tuberculose passa e está cada vez mais resistente aos medicamentos. Familiares e policiais têm contato com detentos. Alguns presos fogem. Assim, a tuberculose é um problema que atingirá a população de modo geral. Isso já aconteceu em Nova York."
Para Varela, os 56 casos de tuberculose confirmados pelo levantamento feito nas delegacias representam só uma pequena parte do problema. "Devem ser os casos em que o sujeito já está cuspindo sangue. Se você passa tuberculose em casa para seus filhos, imagine em uma cela superlotada e sem ventilação", diz.
A suspeita do médico pode ser confirmada por casos como o do preso Luciano Gonçalves da Silva, 30, condenado por roubo. Ele diz que está com tuberculose, o que é confirmado pelos policiais do 7º DP. Mas seu nome não consta da lista dos 56 tuberculosos.
"Estamos com muitos casos de pneumonia, bronquite e outros problemas respiratórios", diz o delegado Carmo Aparecido Camargo, do 2º DP, no Bom Retiro (região central).
No 7º DP, na Lapa (zona noroeste), o delegado titular, Douglas Aparecido Randmer da Silveira, enfrenta um surto de sarna e casos de HIV positivo com a ajuda de médicos da prefeitura. "Eles vieram e explicaram aos presos e familiares como combater a sarna."
Quase todo dia, uma equipe de investigadores da delegacia leva presos ao pronto-socorro do bairro ou ao Hospital Penitenciário. "Nós os recebemos de volta após uma melhora", disse Silveira.
Para tratá-los, comerciantes ajudam o 7º DP a comprar remédios. "A gente se vira atrás de médico e remédio, mas não combatemos a Aids, só as infecções causadas pela doença", diz Silveira.
Nas delegacias, existem também casos de carcereiros que apanharam doenças, como sarna, micoses e conjuntivite, dos presos.
O levantamento dos doentes foi concluído há 20 dias. Desde então, um preso com HIV positivo morreu, outro fugiu e uma mulher anêmica com pneumonia, bronquite e grávida foi solta. "É uma batalha perdida", conclui Varela.



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