São Paulo, Sábado, 08 de Maio de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Dom Manuel ordenou o Brasil novo

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Quando as terras, do que seria o Brasil, foram encontradas por Pedro Álvares Cabral, a Europa impulsionava a transposição entre o feudalismo e o capitalismo, lento processo que se estendeu no século 12 até, pelo menos, o século 17. O verbo "encontrar" é usado deliberadamente em lugar de "descobrir" porque parece certo que Cabral só confirmou o que era sabido e, tendo achado o que procurava, tomou o rumo das Índias. Pero Vaz de Caminha, em sua carta -publicada pela Folha, na atualização de Jaime Cortezão- , me inspirou a lembrar a ordem jurídica vigente quando do "achamento" das Terras de Vera Cruz e algumas de suas transformações.
Portugal era monarquia unitária, cuja estrutura legislativa decorria das "Ordenações do Reino", privilegiando a nobreza, o clero e os militares sobre os que orbitavam ao redor das classes dominantes.
Quando Martin Afonso de Souza veio para a capitania de São Vicente, trouxe poderes, outorgados pelo rei, que incluíam os de julgar questões cíveis e criminais, nomear notários e oficiais de Justiça, constituindo o primeiro rudimento da decisão de questões surgidas entre os colonos. Esses poderes consistiam em aplicar as "Ordenações" na colônia, embora de forma rudimentar, facilitada pela distância da metrópole e pelas enormes extensões na terra recém-encontrada. A lenta alteração legislativa decorreu da mudança econômica. O trabalho assalariado demorou para chegar a Portugal e à sua colônia sul-americana, cujos primeiros habitantes sobreviveram com o amaino da terra.
As leis portuguesas haviam sido consolidadas inicialmente por dom João 1º no século 15. Posteriormente, foram unificadas em "Ordenações", tomando os reis que as decretaram, como as Afonsinas, ainda no século 15, por Afonso 5º, chamado o Africano. As Manuelinas, as mais importantes para o Brasil colonial, foram editadas por dom Manuel 1º, dito o Venturoso, a contar de 1505, governante absoluto, entre 1495 e 1521. As "Ordenações" tiveram tal força que somente deixaram de vigorar, no Brasil, com o Código Civil, em 1º de janeiro de 1917.
A evolução legal sofreu influência do desenvolvimento comercial. Em Portugal havia a burguesia dos comerciantes, nos séculos 15 e 16, distinta da nobreza feudal e estimulada pela abertura de postos ao longo do litoral da África, até contorná-la e chegar às Índias, com Vasco da Gama, em 1497.
Também recomendou as primeiras tentativas de colonização, com o objetivo de impedir invasões, preservar a religião católica e impor a lei portuguesa. Dom Manuel 1º, depois do descobrimento, reorganizou os tribunais judiciários, mudou leis tributárias, restringiu velhos privilégios da nobreza em providências que repercutiram no Brasil, muito depois do governo geral instalado na Bahia, por Tomé de Souza, em 1549.
Ficou claro para a monarquia lusitana que as novas terras não tinham o ouro e a prata que os espanhóis encontraram com os astecas e os incas, enriquecendo extraordinariamente a Espanha.
Daí o interesse não prioritário pela colônia até quase dois séculos depois de Cabral, apesar do combate às invasões e o desenvolvimento dos governos gerais. A colonização, porém, assentou bases para a ação judicial, com a lei escrita cheia de formalismos, explicando, talvez, muitos dos defeitos de que nos queixamos hoje. O assunto merece que se retorne a ele, em homenagem aos cinco séculos do Brasil. É o que farei.


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