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LETRAS JURÍDICAS
Dom Manuel ordenou o Brasil novo
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Quando as terras, do que seria
o Brasil, foram encontradas por
Pedro Álvares Cabral, a Europa
impulsionava a transposição
entre o feudalismo e o capitalismo, lento processo que se estendeu no século 12 até, pelo menos, o século 17. O verbo "encontrar" é usado deliberadamente em lugar de "descobrir"
porque parece certo que Cabral
só confirmou o que era sabido e,
tendo achado o que procurava,
tomou o rumo das Índias. Pero
Vaz de Caminha, em sua carta
-publicada pela Folha, na
atualização de Jaime Cortezão- , me inspirou a lembrar a
ordem jurídica vigente quando
do "achamento" das Terras de
Vera Cruz e algumas de suas
transformações.
Portugal era monarquia unitária, cuja estrutura legislativa
decorria das "Ordenações do
Reino", privilegiando a nobreza, o clero e os militares sobre os
que orbitavam ao redor das
classes dominantes.
Quando Martin Afonso de
Souza veio para a capitania de
São Vicente, trouxe poderes, outorgados pelo rei, que incluíam
os de julgar questões cíveis e criminais, nomear notários e oficiais de Justiça, constituindo o
primeiro rudimento da decisão
de questões surgidas entre os colonos. Esses poderes consistiam
em aplicar as "Ordenações" na
colônia, embora de forma rudimentar, facilitada pela distância da metrópole e pelas enormes extensões na terra recém-encontrada. A lenta alteração
legislativa decorreu da mudança econômica. O trabalho assalariado demorou para chegar a
Portugal e à sua colônia sul-americana, cujos primeiros habitantes sobreviveram com o
amaino da terra.
As leis portuguesas haviam sido consolidadas inicialmente
por dom João 1º no século 15.
Posteriormente, foram unificadas em "Ordenações", tomando
os reis que as decretaram, como
as Afonsinas, ainda no século 15,
por Afonso 5º, chamado o Africano. As Manuelinas, as mais
importantes para o Brasil colonial, foram editadas por dom
Manuel 1º, dito o Venturoso, a
contar de 1505, governante absoluto, entre 1495 e 1521. As "Ordenações" tiveram tal força que
somente deixaram de vigorar,
no Brasil, com o Código Civil,
em 1º de janeiro de 1917.
A evolução legal sofreu influência do desenvolvimento comercial. Em Portugal havia a
burguesia dos comerciantes, nos
séculos 15 e 16, distinta da nobreza feudal e estimulada pela
abertura de postos ao longo do
litoral da África, até contorná-la e chegar às Índias, com Vasco
da Gama, em 1497.
Também recomendou as primeiras tentativas de colonização, com o objetivo de impedir
invasões, preservar a religião
católica e impor a lei portuguesa. Dom Manuel 1º, depois do
descobrimento, reorganizou os
tribunais judiciários, mudou
leis tributárias, restringiu velhos
privilégios da nobreza em providências que repercutiram no
Brasil, muito depois do governo
geral instalado na Bahia, por
Tomé de Souza, em 1549.
Ficou claro para a monarquia
lusitana que as novas terras não
tinham o ouro e a prata que os
espanhóis encontraram com os
astecas e os incas, enriquecendo
extraordinariamente a Espanha.
Daí o interesse não prioritário
pela colônia até quase dois séculos depois de Cabral, apesar do
combate às invasões e o desenvolvimento dos governos gerais.
A colonização, porém, assentou
bases para a ação judicial, com
a lei escrita cheia de formalismos, explicando, talvez, muitos
dos defeitos de que nos queixamos hoje. O assunto merece que
se retorne a ele, em homenagem
aos cinco séculos do Brasil. É o
que farei.
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