São Paulo, quarta, 8 de julho de 1998

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MÁFIA DOS REMÉDIOS
Aposentado tinha câncer na próstata e apresentou melhora até tomar medicamento inócuo por 5 meses
Doente morre após usar remédio falso

FÁBIA PRATES
da Agência Folha, em Belo Horizonte

RANIER BRAGON
free-lance para a Agência Folha

A máfia da falsificação de remédios fez mais uma vítima: foi enterrado ontem o aposentado Cyro Amâncio dos Santos, 77, que sofria de câncer na próstata e tomou medicamento falso -e inócuo- durante cinco meses.
A família, de Belo Horizonte, decidiu pedir indenização por danos morais e patrimoniais na Justiça.
Sofrendo de câncer na próstata há oito anos, Santos tomou durante pelo menos cinco meses 20 frascos (400 comprimidos) do quimioterápico Androcur que, ao que tudo indica, eram falsificados.
O remédio é fabricado pelo laboratório Schering do Brasil, o mesmo que fabrica os anticoncepcionais Microvlar e que não tem relação com a Schering-Plough.
O advogado Flávio Almeida, contratado pela família, disse que ainda aguarda resultado do inquérito policial, que investiga responsáveis pela falsificação para definir quem será o réu do processo que vai pedir indenização.
"Queremos ver de quem é a responsabilidade, se é do distribuidor, por omissão, ou se o fabricante também tem culpa nisso."

Reação normal

O aposentado, segundo Edésio Amâncio dos Santos, 49, seu filho, tomava o remédio desde que fez uma cirurgia para raspagem de tumor, em 90. Ele reagia bem ao medicamento, levava uma vida normal e só veio a ter nova recaída em meados do ano passado.
Ao saber por uma reportagem de televisão que o lote 351 do remédio era falsificado, a família foi verificar os frascos que o aposentado guardava.
Dos 26 encontrados, 20 eram do lote que falsificado. Os frascos do remédio estão com o advogado, que pretende juntá-los ao processo que vai iniciar.
Segundo a família, a quantidade de remédio tomada por ele pode ser maior, já que alguns dos frascos foram jogados fora.
Depois de tomar os comprimidos do lote 351, ele teve hemorragias, perdeu o apetite, voltou a ter dificuldades para andar e urinar e esteve internado três vezes.
Santos morreu no Hospital Luxemburgo, onde estava internado havia sete dias. O aposentado foi sepultado ontem pela manhã no cemitério da Saudade, na zona Leste da capital mineira.
Segundo a família, o tumor que estava localizado na próstata se espalhou pela bexiga e comprometeu as vias urinárias depois de o aposentado ter tomado os comprimidos adulterados.
"Se não fosse isso, ele não teria morrido. Ele estava reagindo bem ao tratamento e tinha mais vida pela frente. Às vezes, tinha mais vitalidade do que eu", disse Edésio Santos.
A família não quis divulgar o nome do médico que cuidou do aposentando e afirma que ele não quer se manifestar sobre o caso.

Bodas de ouro

Ex-funcionário da Rede Ferroviária Federal, o aposentado, que completou 50 anos de casado no início deste mês, tinha plano de saúde, com o qual fazia consultas médicas e internações.
O medicamento, que custa cerca de R$ 70,00 o frasco com 20 comprimidos, Santos obtinha gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) na farmácia do hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte.
Quando desconfiou de que poderia estar recebendo remédios falsos, passou a pegá-los na Santa Casa de Misericórdia.
"Eu peço encarecidamente a todas as pessoas que puderem envolver nessa luta que me ajudem a achar o culpado para que outras pessoas não passem por isso. Essa história não pode terminar assim. Só a gente sabe o que ele sofreu", disse a Edna Fátima Amâncio Ramos, filha do aposentado.




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