São Paulo, quarta, 8 de julho de 1998

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OPINIÃO
A epidemia das peruas

ROGERIO BELDA

As lotações destruíram o sistema regular de ônibus na maior parte das cidades da América Latina sem que isso melhorasse nenhum aspecto do transporte urbano. Ao contrário, aumentou a poluição, as tarifas, os acidentes e os congestionamentos.
O transporte informal, que agora está se difundindo nas grandes cidades brasileiras, tem grande aceitação por parte do público e, em especial, entre os usuários de transporte coletivo, principalmente porque a principal aspiração dos passageiros é a redução do tempo de espera nos pontos de ônibus.
Reclamações, quando há, referem-se apenas à insegurança desse tipo de transporte: os veículos são mais frágeis, os motoristas dirigem em alta velocidade e sem nenhuma garantia de seguros contra acidentes.
Na imprensa, de maneira geral, podem ser vistas manifestações favoráveis à legalização das peruas, mas não se menciona nunca que essas deveriam ter também as mesmas obrigações das empresas de ônibus.
A concorrência predatória feita pelas peruas tem levado à perda de passageiros pelos serviços de ônibus e táxis.
Essa perda se acentua, em seguida, porque o transporte coletivo provoca aumentos de tarifas dos serviços regulares, fazendo com que o custo do funcionamento passe a ser repartido por um número menor de passageiros.
Quando se aumenta a tarifa dos ônibus, cresce a possibilidade de haver aumento também do preço que é cobrado pelas lotações. Essa operação torna-se mais rentável e mais veículos passam, então, a rodar clandestinamente.
A continuidade desse ciclo leva os serviços de transporte coletivo ao colapso.
Se isso ocorrer, quem vai garantir o transporte das pessoas nas horas de menor movimento? Quem vai garantir a gratuidade aos idosos ou transporte aos estudantes com meia tarifa?
Se isso acontecer, já será tarde para concluir que a existência dos transportes coletivos é essencial para o funcionamento das grandes cidades.
Em diversas cidades da América do Sul pode ser visto, com clareza, como o sistema de lotações leva paulatinamente à degradação da vida urbana.
Alerto os defensores das peruas que, diferentemente do que ocorria no passado, atualmente existe por trás desse tipo de serviço não apenas desempregados procurando sua sobrevivência, mas grupos de interesse econômico que os exploram vendendo a prazo ou alugando veículos.


Rogerio Belda, 61, engenheiro eletrônico, é presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP)



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