São Paulo, sábado, 8 de agosto de 1998

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LETRAS JURÍDICAS
Nefertite e Ivete

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Quatorze séculos antes de Cristo, Nefertite, mulher de Amenofis 4º, reinou no Egito antigo e se guarda memória dela, até hoje, por sua beleza extraordinária e pela contribuição dada na administração de seu país. Quatro séculos antes da nossa era, Aspásia, mulher de Péricles, o maior nome da democracia grega, brilhou em Atenas, justificando que se fale dela 2.400 anos depois. Em 1729, há modestos 270 anos, nasceu Catarina, chamada a Grande, czarina da Rússia, notável pela administração, pelo apoio às artes e por feitos de alcova que fariam Bill Clinton parecer modesto principiante.
A lembrança de três mulheres tão diferentes, cuja origem mais remota está a 3.400 anos de hoje, serve para mostrar que, embora postas em condição subalterna ante o homem, sempre houve algumas que se sobressaíram, por dotes excepcionais, os mais diversos.
A diferença entre elas e as de nossa época está em que, agora, a participação da mulher nem constitui exceção, nem é encarada como concessão masculina, na medida em que conquistam lugares, em suas atividades profissionais, em competição dura, raramente bem vista por adversários derrotados.
Entre os muitos fatos que fazem do século 20 aquele em que a humanidade, em prazo relativamente breve, deu salto extraordinário no rumo de um novo padrão de existência, o fato social mais importante consistiu na derrubada da porta da oposição à igualdade feminina, ante o segmento masculino. E olhem que os homens resistiram muito. Resistem ainda: no Supremo Tribunal Federal, do Brasil, não há mulheres. Idem no Superior Tribunal de Justiça. A Ordem dos Advogados continua indicando seus profissionais no masculino (os homens predominam nos Conselhos Federal e Estaduais) e ainda não se cogitou mudar a entidade para Ordem da Advocacia, embora o número de mulheres cresça proporcionalmente, a olhos vistos. Está na hora de levantar essa bandeira, livrando a instituição de um nome tradicional, tornado impróprio pela estatística e pela mudança dos costumes.
Nas vésperas da comemoração do 11 de Agosto, há esperanças de que, mesmo nos conservadores segmentos jurídicos da sociedade, as coisas mudem. Odete Medauar, diretora-substituta da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no exercício do cargo em virtude do licenciamento de Alvaro Villaça Azevedo, dará posse a Ivete Senise Ferreira como primeira diretora efetiva da Academia do Largo de São Francisco, a escola em que se começou a estudar o direito no Brasil, há mais de 170 anos.
A Constituição diz, desde 1988, que o homem e a mulher são iguais em direitos e obrigações. As constituições antigas afirmavam que todos eram iguais perante a lei. No Largo de São Francisco não são, embora o número de professoras seja cada vez maior, desde as caminhadas docentes de Esther Figueiredo Ferraz, e da passagem provisória, mas atuante, de Nair Lemos Gonçalves, em postos de direção administrativa.
Agora é diferente. Em eleição disputada, Ivete foi vencedora. Tem condições pessoais de energia e discernimento para administrar bem. Na era pós-Ivete, a academia não será a mesma. Rompido o selo da resistência masculina, a formal igualdade com os homens será substituída pela igualdade substancial das competências, sem distinção de sexo. Isso é bom de ver.



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