São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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FUMO

Souza Cruz tirou do ar propaganda que, segundo o Ministério Público de Brasília, estimularia jovens a começar a fumar

Indústria é acusada de ter criança como alvo

João Wainer - 9.set.1999/Folha Imagem
A jovem fumante Danielle Ramon; 204 veiculações de comercial foram canceladas pela Souza Cruz


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Treze dias antes de a publicidade de cigarro ter sido banida das TVs no Brasil, o que ocorreu em 1º de janeiro de 2001, a Souza Cruz aceitou retirar do ar uma campanha do cigarro Free que o Ministério Público de Brasília considerou ilegal porque estimularia crianças e adolescentes a fumar. Com o acordo, foram canceladas 240 veiculações do comercial.
Foi a primeira vez no Brasil que um comercial de cigarros saiu do ar por suspeitas de que era dirigido para adolescentes. Nos Estados Unidos, promotores encontraram dezenas de documentos internos da indústria, nos quais executivos diziam abertamente que o alvo da propaganda era o público jovem (leia texto abaixo).
Um dos pontos do acordo de Brasília previa que a análise que embasou a ação do Ministério Público seria mantida em sigilo, mas a Folha teve acesso ao documento. É um laudo do Instituto de Medicina Legal do Distrito Federal, no qual três psicólogos analisam o comercial do Free em que um pintor diz: "Vejo as coisas assim: certo ou errado, só vou saber depois que eu fiz. Eu não vou passar pela vida sem um arranhão. Eu vou deixar minha marca."
O promotor que conduziu as investigações e conseguiu tirar o comercial do ar, Guilherme Fernandes Neto, diz que, independentemente de uma análise mais profunda, o texto da campanha é "absurdo porque prega a irresponsabilidade social": "Só o desconhecimento de psicologia comportamental e a falta de compromisso com a função social da publicidade podem justificar um comercial dirigido para adolescentes".
A análise psicológica é dividida em duas partes: o conteúdo visível e o que os psicólogos chamam de "mensagem subliminar".
Os psicólogos avaliam que o diálogo tem "algo de irresponsável" -""parece não haver também preocupação com as consequências de sua decisão".

Propaganda subliminar
Ao decompor o anúncio quadro a quadro, os psicólogos encontraram o que consideram ser "propaganda subliminar". Na definição deles, propaganda sublimar é "qualquer estímulo realizado abaixo do limiar da consciência, que produz efeitos na atividade psíquica e mental do indivíduo". As mensagens subliminares são "remetidas automaticamente ao nosso cérebro, em nível involuntário, inconsciente".
Por três décimos de segundo, ou seja, numa fração de tempo imperceptível para os olhos humanos, aparece uma mulher fumando. Logo em seguida, também por três décimos de segundo, aparece outra pessoa fumando.
Se os eventuais efeitos da chamada propaganda sublimar são cada vez mais questionados, a dúvida de Fernandes Neto não é desprezível: "Por que a Souza Cruz incluiu no comercial imagens que não dá para ver? Certamente, há alguma razão para isso".
A Souza Cruz alega que a responsabilidade sobre o comercial é das diretoras do filme, Daniela Thomas e Carolina Jabor. Daniela, porém, afirma não se lembrar dessa imagem e diz que, se ela existir, teria a função de dar ritmo às imagens.
A Adesf (Associação em Defesa da Saúde do Fumante) acha que o Ministério Público pegou um peixe grande. Luiz Mônaco, diretor jurídico da entidade que processa as fábricas por fraude contra a saúde pública, diz que o comercial "é a primeira prova inconteste de que a indústria dirigia sua publicidade para adolescentes".



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