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MOACYR SCLIAR
O último hippie
Protesto na Dinamarca pede preservação de comunidade hippie. Milhares de pessoas realizaram um protesto em Copenhague neste sábado para manifestar apoio à famosa comunidade hippie Christiania, localizada na capital dinamarquesa. A multidão reunida no local protestou contra os planos do governo de construir
um conjunto residencial de luxo na
área ocupada pela comunidade.
Mundo Online, 30.ago.2003
Os protestos foram inúteis, e o conjunto residencial
começou mesmo a ser construído.
Os hippies foram, pois, desalojados e acabaram se dispersando
pela cidade.
Um apenas permaneceu: hábil
concessão da companhia responsável pelo empreendimento, que
procurava ganhar o apoio da opinião pública mantendo um hippie como residente. Era um homem idoso, que aderira ao movimento nos anos 60. A ele, pouco
importava o lugar em que residisse. Queria ficar em paz, fumando
sua maconha e cantarolando velhas melodias de Bob Dylan.
Mas em paz não ficaria. Tão logo o conjunto residencial foi concluído, o homem tornou-se objeto
da curiosidade geral. Os moradores, sobretudo as crianças, reuniam-se em torno à precária cabana em que vivia (cuja porta estava sempre aberta) e ali ficavam
a observá-lo, como se fosse um curioso animal.
A princípio, o velho hippie não
deu muita importância àquela
movimentação toda, aos jocosos
comentários. Com o tempo, porém, aquilo começou a incomodá-lo. A seu pedido a administração do conjunto residencial construiu uma cerca que impedia a
aproximação dos curiosos.
Que, no entanto, não desistiam.
Queriam ver o estranho morador
de qualquer jeito. Um deles
perguntou ao hippie quanto cobraria para permitir a passagem
pela cerca.
Aquilo deu ao homem uma
idéia. Já na semana seguinte,
ele estava vendendo os ingressos,
que, embora caros, eram disputados pelos moradores e por
outros visitantes, que vinham até
de longe.
O velho hippie está rico. Pouca
gente sabe disso, mas ele já nem
mora no conjunto residencial.
Com o dinheiro que ganhou,
comprou uma enorme casa num
outro condomínio, este de luxo.
Num carro com motorista, chega
à sua cabana de madrugada, veste as suas antigas roupas e passa o
dia ali, fumando maconha e cantarolando velhas melodias de Bob
Dylan. À noite, depois que os visitantes se foram, regressa para sua
casa, onde lhe aguarda trabalho:
faz parte da direção do condomínio. Da qual é membro atuante.
Recentemente propôs a introdução de um artigo no regulamento,
proibindo a admissão ao local de
hippies ou de quaisquer outros tipos estranhos.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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