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"Melhoral Infantil" nos desfiles pela pátria
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Antes, no Dia da Pátria,
marchava-se. Nos anos 60, sobretudo, marchava-se. Em
1968, por exemplo, marchamos
todos, crianças pequenas, com
o uniforme de gala da escola,
ao som da fanfarra de bumbos,
tambores, triângulos, pratos e
cornetas, guiados pelas acrobacias de uma baliza atlética,
que encabeçava a tropa, portando as cores, as flâmulas da
escola.
Tudo era muito ridículo, a
gente marchando obrigado sob
o sol ardente de Recife, por
exemplo, a gente criança pequena, sem qualquer noção do
que aquilo significava ou pretendia significar. E tiravam
pontos das notas, castigavam
as crianças que faltavam no
desfile de Sete de Setembro, as
tarefas da educação moral e
cívica.
Tudo era muito ridículo, a
escola de freiras era rígida, a
ditadura era rígida: o espírito
de civismo era coisa ditada pela polícia, pelo Exército, pelas
Forças Armadas todas. O culto
aos chamados "heróis" e aos
símbolos nacionais era ordem
de generais e marechais. Os
tanques de guerra desfilavam
pelas ruas, misturados às
crianças pequenas em suas
marchas escolares obrigatórias.
Tudo era muito ridículo, as
mães e os pais atarantados, ignorantes, tinham de obedecer
àquela situação. Se as crianças
tinham febre, tosse ou gripe, e
corriam o risco de faltar no dia
do desfile, as mães enfiavam
Melhoral Infantil, chá de mastruz com mel, essas coisas, com
medo dos pontos perdidos.
Tudo era muito ridículo, a
escola era ridícula, o país era
ridículo -eu disse tudo isso
aos meninos, tentando explicar a diferença entre o Sete de
Setembro de ontem e o de hoje,
tentando explicar que a verdadeira independência do Brasil
teria sido a de Tiradentes, a da
Inconfidência Mineira talvez,
essa história.
Ainda que -eu disse aos
meninos- a Inconfidência tenha sido um movimento das
classes abastadas, de filhinhos
de papai que tinham ido estudar na França (com exceção
do arrancador de dentes Tiradentes e uns poucos).
Ainda que os objetivos da luta continuem inatingíveis: a
exploração continua a mesma,
a extorsão fiscal, a má aplicação da justiça, a administração corrupta, a cidadania nacional uma utopia.
As comemorações do Dia da
Independência eu associo para
sempre ao Melhoral Infantil, a
tosses, febres, cataporas, quedas graves, contusões e outros
males de infância -eu disse
aos meninos, em plena cidade
de Tiradentes, Minas Gerais,
por ocasião do feriado de Sete
de Setembro.
Levar os meninos para Tiradentes, Ouro Preto, Mariana,
as cidades históricas, mostrar
a elas que o Brasil já tem 500
anos nas costas e nenhuma
vergonha na cara. Para ver se
os meninos se comoviam.
Relembrar para eles o lema
da bandeira que seria a nossa:
a da liberdade, ainda que tardia etc. Citar para eles o "Romanceiro da Inconfidência",
de Cecília Meireles: "A palavra
liberdade/vive na boca de todos/:quem não a proclama aos
gritos,/murmura-a em tímido
sopro."
E-mail mfelinto@uol.com.br
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