São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2004

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BARBARA GANCIA

Mundo ao avesso

Munido da acuidade que lhe é habitual, o psicanalista-barra-colunista Contardo Calligaris esmiuçou, ontem, nesta Folha, um projeto de lei escandaloso e fundamentalista que deve ser votado em breve pela Assembléia Legislativa do Rio.
Apresentado pelo deputado evangélico Edino Fonseca (PSC), o projeto de lei prevê a criação de um programa para "auxiliar" pessoas que voluntariamente queiram "mudar a sua orientação homossexual".
Ao mesmo tempo em que essa aberração em forma de "cura" tramita na assembléia fluminense, pelos motivos mais ignóbeis, a causa da união estável dos homossexuais toma corpo no norte do país.
A saber: na semana passada, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassou o registro de Maria Eulina Rabelo de Sousa (PFL), candidata a prefeita de Viseu (a 368 km de Belém, no Pará), por manter "relacionamento conjugal" com a atual prefeita, Astrid Maria Cunha e Silva.
A norma da inelegibilidade de cônjuges, expressa na Constituição, não se manifesta a respeito das relações homossexuais. Mesmo assim, o TSE entendeu que existia entre a postulante ao cargo e sua parceira, a atual prefeita, "um forte vínculo afetivo, capaz de unir pessoas em torno de interesses comuns e, por essa razão, sujeitas à regra constitucional do artigo 14, que proíbe a eleição de cônjuges".
Não é preciso ser nenhum Contardo Calligaris para interpretar o que diz o tribunal. Na visão da lei eleitoral, o relacionamento entre a prefeita e sua parceira postulante ao cargo se equipara à convivência estável entre homem e mulher, ou seja, a um casamento.
Muito bem. Se dona Maria Eulina Rabelo de Sousa não pode concorrer ao cargo de prefeita por manter relacionamento conjugal com a atual alcaidessa de Viseu, dona Astrid Maria Cunha e Silva, será que isso significa que, perante a lei, elas também serão equiparadas aos casais heterossexuais na hora de exigir direitos extensivos, como, por exemplo, os benefícios concedidos pelo INSS e pelas aposentadorias ou, quem sabe, até a possibilidade de comprar um título familiar em algum clube de campo paraense?
Quem diria. Por razões nada edificantes, as senhoras paraenses devem entrar para a história tapuia dos direitos civis como marco, abrindo o leque para um sem-número de jurisprudências.
Como diriam os franceses, é "le monde a l'envers" (o mundo ao avesso)...

QUALQUER NOTA

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Corretíssimo
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E-mail - barbara@uol.com.br www.uol.com.br/barbaragancia


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