São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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Pessoas com Down chegam à maturidade

Em 1980, a expectativa média de vida dos portadores da síndrome era de cerca de 25 anos; atualmente é de 56 anos

Eles chegam à vida adulta com os mesmos dilemas das outras pessoas sem a síndrome: querem trabalhar, namorar e ser felizes

MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA

Cena um: sexta-feira para ele é batata, é noite de alugar um filme pornô e tomar uma cerveja gelada. Cena dois: ela deixa a piscina correndo depois da aula de natação, seca o cabelo e vai se arrumar para o jantar de aniversário. Irá apresentar o namorado aos pais. Cena três: depois de cinco anos de namoro, ele chega à casa dela com um buquê cor-de-rosa e uma pequena caixa entre as flores. Dentro, a aliança de ouro que selará o pedido de noivado.
Histórias comuns de um cotidiano trivial, vividas pela primeira geração brasileira com síndrome de Down que chega à idade adulta. São eles também os primeiros protagonistas dos dilemas dessa fase. Nessa etapa, os problemas não são mais inserção social, escola ou aprendizado. Eles querem e reivindicam namorar, transar, morar sozinhos, trabalhar, casar e, por que não, constituir família e ter filhos. Um panorama que assusta seus pais.
Em 1980, a expectativa média de vida de alguém com Down era de 25 anos. Hoje, graças aos avanços médicos e aos cuidados contínuos desde o nascimento, é de 56 anos. A longevidade trouxe dilemas até então ignorados.
A dona-de-casa Edney Pires, 67, mãe de Fernanda Pires, 28, assiste há cinco anos ao namoro da filha com Felipe Feldman, 28. Os dois nasceram com síndrome de Down. No começo, a formação do casal era vista como brincadeira de criança, eles iam juntos à escola, telefonavam no final do dia um para o outro e nos fins de semana passeavam no shopping.
Até que, em 24 de julho, dia do aniversário dela, o casal trocou alianças. No entanto, os dois nunca estão sozinhos. "Se deixar, o bicho pega", diz Fernanda, com um sorriso maroto. Ela conta que, em um futuro próximo, eles pensam em casar, mas para a mãe esse assunto está fora de cogitação. "Como eles iriam se sustentar?"
De acordo com Sérgio Klabin, psiquiatra do Cepec (Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas), especializado em síndrome de Down, se o medo da mãe de Fernanda for gravidez, ela pode descansar. "A maioria dos homens que têm Down é infértil (eles têm o testículo para fora da bolsa escrotal, sem a função de produção de espermatozóides)", explica. Mas, caso uma mulher com a síndrome se relacione com um homem que não a tem, a chance de um filho Down é de 50%.

Sexualidade saudável
Para Sérgio Klabin, é essa falta de educação sexual a responsável pelo mito de que eles são hipererotizados. "Nunca conheci uma mãe de Down que deixe o filho fazer xixi de porta fechada. Eles são tratados como crianças incapazes. Não aprendem o que deve ser público e privado. Não falta entendimento a eles, falta educação."
A falta de orientação pode deixá-los agressivos, hipererotizados (alguns chegam a se masturbar em público) e até depressivos. "Adultos devem viver como adultos, pessoas com Down têm tanto desejo quanto as outras. Sexo é importante para uma vida saudável e feliz. Puberdade não respeita deficiência", enfatiza o médico. Ele explica que o banho hormonal que meninos e meninas recebem aos 14 anos é igual para todos. O problema é que os Downs são obrigados a ignorá-lo. "Eles são excluídos dos jogos de sexualidade infantis, como brincar de médico", explica.
Segundo Sérgio Klabin, a infantilização é conseqüência de superproteção desnecessária. "Hoje, não temos serviço social adequado para essas pessoas." Outro problema recente, segundo o médico, surgiu com a atual novela global, "Páginas da Vida". "Estão glamourizando a situação, querem passar a idéia de que ter filho Down é uma beleza. Não é nem uma bênção nem um martírio", diz.
Para se ter uma idéia, a Associação Americana de Retardo Mental calcula que as despesas com uma criança com Down são, em geral, 80% maiores do que a média da população tem com seus filhos. É preciso seguir tratamentos como fisioterapia, sessões de fonoaudiologia, além de contar com um time especializado de médicos. "Basta que eles, desde pequenos, recebam o suporte necessário. Dessa forma, terão condições de trabalhar e até de criar suas famílias", diz Silvia Bragagnolo, geneticista da Unifesp.
Logicamente, irão precisar de apoio técnico e afetivo. "A sociedade cobra que os adultos com Down sejam totalmente independentes, isso não existe. Todos nós somos interdependentes. Precisamos da ajuda de outras pessoas para sobreviver. Eles também", diz o especialista Sérgio Klabin. "Com assistência correta e gente que os ensine a se movimentar, a cozinhar, a namorar e a trabalhar, é possível que eles vivam tanto e tão bem quanto qualquer pessoa que não tenha a síndrome."


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