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Pessoas com Down chegam à maturidade
Em 1980, a expectativa média de vida dos portadores da síndrome era de cerca de 25 anos; atualmente é de 56 anos
Eles chegam à vida adulta com os mesmos dilemas das outras pessoas sem a síndrome: querem trabalhar, namorar e ser felizes
MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA
Cena um: sexta-feira para ele
é batata, é noite de alugar um
filme pornô e tomar uma cerveja gelada. Cena dois: ela deixa a
piscina correndo depois da aula
de natação, seca o cabelo e vai
se arrumar para o jantar de aniversário. Irá apresentar o namorado aos pais. Cena três: depois de cinco anos de namoro,
ele chega à casa dela com um
buquê cor-de-rosa e uma pequena caixa entre as flores.
Dentro, a aliança de ouro que
selará o pedido de noivado.
Histórias comuns de um cotidiano trivial, vividas pela primeira geração brasileira com
síndrome de Down que chega à
idade adulta. São eles também
os primeiros protagonistas dos
dilemas dessa fase. Nessa etapa, os problemas não são mais
inserção social, escola ou
aprendizado. Eles querem e
reivindicam namorar, transar,
morar sozinhos, trabalhar, casar e, por que não, constituir família e ter filhos. Um panorama
que assusta seus pais.
Em 1980, a expectativa média de vida de alguém com
Down era de 25 anos. Hoje, graças aos avanços médicos e aos
cuidados contínuos desde o
nascimento, é de 56 anos. A
longevidade trouxe dilemas até
então ignorados.
A dona-de-casa Edney Pires,
67, mãe de Fernanda Pires, 28,
assiste há cinco anos ao namoro da filha com Felipe Feldman,
28. Os dois nasceram com síndrome de Down. No começo, a
formação do casal era vista como brincadeira de criança, eles
iam juntos à escola, telefonavam no final do dia um para o
outro e nos fins de semana passeavam no shopping.
Até que, em 24 de julho, dia
do aniversário dela, o casal trocou alianças. No entanto, os
dois nunca estão sozinhos. "Se
deixar, o bicho pega", diz Fernanda, com um sorriso maroto.
Ela conta que, em um futuro
próximo, eles pensam em casar, mas para a mãe esse assunto está fora de cogitação. "Como eles iriam se sustentar?"
De acordo com Sérgio Klabin, psiquiatra do Cepec (Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas), especializado em síndrome de Down, se o medo da
mãe de Fernanda for gravidez,
ela pode descansar. "A maioria
dos homens que têm Down é
infértil (eles têm o testículo para fora da bolsa escrotal, sem a
função de produção de espermatozóides)", explica. Mas, caso uma mulher com a síndrome
se relacione com um homem
que não a tem, a chance de um
filho Down é de 50%.
Sexualidade saudável
Para Sérgio Klabin, é essa falta de educação sexual a responsável pelo mito de que eles são
hipererotizados. "Nunca conheci uma mãe de Down que
deixe o filho fazer xixi de porta
fechada. Eles são tratados como crianças incapazes. Não
aprendem o que deve ser público e privado. Não falta entendimento a eles, falta educação."
A falta de orientação pode
deixá-los agressivos, hipererotizados (alguns chegam a se
masturbar em público) e até
depressivos. "Adultos devem
viver como adultos, pessoas
com Down têm tanto desejo
quanto as outras. Sexo é importante para uma vida saudável e
feliz. Puberdade não respeita
deficiência", enfatiza o médico.
Ele explica que o banho hormonal que meninos e meninas recebem aos 14 anos é igual para
todos. O problema é que os
Downs são obrigados a ignorá-lo. "Eles são excluídos dos jogos
de sexualidade infantis, como
brincar de médico", explica.
Segundo Sérgio Klabin, a infantilização é conseqüência de
superproteção desnecessária.
"Hoje, não temos serviço social
adequado para essas pessoas."
Outro problema recente, segundo o médico, surgiu com a
atual novela global, "Páginas da
Vida". "Estão glamourizando a
situação, querem passar a idéia
de que ter filho Down é uma beleza. Não é nem uma bênção
nem um martírio", diz.
Para se ter uma idéia, a Associação Americana de Retardo
Mental calcula que as despesas
com uma criança com Down
são, em geral, 80% maiores do
que a média da população tem
com seus filhos. É preciso seguir tratamentos como fisioterapia, sessões de fonoaudiologia, além de contar com um time especializado de médicos.
"Basta que eles, desde pequenos, recebam o suporte necessário. Dessa forma, terão condições de trabalhar e até de criar
suas famílias", diz Silvia Bragagnolo, geneticista da Unifesp.
Logicamente, irão precisar
de apoio técnico e afetivo. "A
sociedade cobra que os adultos
com Down sejam totalmente
independentes, isso não existe.
Todos nós somos interdependentes. Precisamos da ajuda de
outras pessoas para sobreviver.
Eles também", diz o especialista Sérgio Klabin. "Com assistência correta e gente que os
ensine a se movimentar, a cozinhar, a namorar e a trabalhar, é
possível que eles vivam tanto e
tão bem quanto qualquer pessoa que não tenha a síndrome."
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