São Paulo, sexta-feira, 08 de novembro de 2002

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SEGURANÇA

Toque de recolher foi ordenado por supostos traficantes após a morte de dois suspeitos em confronto com a polícia

Medo do tráfico fecha comércio no centro

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Homens da Guarda Civil Metropolitana protegem a escola municipal Duque de Caxias, no bairro do Glicério, região da capital afetada por toque de recolher


DA REPORTAGEM LOCAL
DO "AGORA"

Um toque de recolher silenciou ontem, durante todo o dia, as principais ruas do bairro do Glicério, na região central de São Paulo. Cerca de cem comerciantes decidiram seguir a ordem, dada na madrugada por meio de pessoas não identificadas e telefonemas anônimos, de não abrirem suas portas em sinal de luto pela morte de dois supostos traficantes na noite anterior.
Nem a presença de mais de 120 policiais militares e 30 policiais civis durante todo o dia fez com que os comerciantes mudassem de idéia. Normalmente, segundo a polícia, cerca de 15 policiais fazem o patrulhamento na região.
É a primeira vez que ocorre um toque de recolher na região central da cidade. Comerciantes afirmaram que, mesmo com a presença da polícia, preferiram não trabalhar por temer represálias a partir de hoje, quando o policiamento deve voltar à normalidade.

Monitoramento
Pessoas da região afirmaram que havia "olheiros" no local. Um comerciante se negou a falar com a reportagem, afirmando que, naquele momento, estava sendo observado por criminosos que monitoravam o luto forçado.
Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Empregados da Construção Civil, disse que recebeu ameaças por telefone.
O sindicato, que fica na região, não fechou as portas. Ramalho disse que falou ontem com o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, e que recebeu dele cumprimentos por não ter obedecido à ordem de fechar.

Escola
Até mesmo a igreja de Nossa Senhora da Paz, frequentada por bolivianos que moram na região, respeitou a ordem dos criminosos. Um bilhete, em espanhol, avisava que a igreja estava fechada por razões de força maior.
A igreja reabriu à tarde, mas foram suspensas as aulas da pré-escola ministradas na paróquia.
Homens da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar deram proteção à escola municipal Duque de Caxias, na praça Mário Margarido. Mesmo assim, segundo funcionários da escola, cerca de 70 pais de alunos foram buscar seus filhos, no período da manhã, antes do término das aulas.

Madrugada
De acordo com o capitão da Polícia Militar Alberto Tamashiro, um homem de camisa amarela passou por volta das 2h de ontem pelos bares abertos na região e ordenou o fechamento.
"Aqui é assim. Os caras têm poder. Se manda fechar, não temos o que fazer", disse um comerciante que não quis se identificar.
"Não abri em respeito aos rapazes que morreram. Contra mim, eles nunca fizeram nada. Mas nunca vi toque de recolher nos 27 anos em que moro aqui", disse ", disse a lojista V.I.L., 27 anos.
Segundo o tenente-coronel Eliseu Leite de Moraes, chefe do setor de comunicação da PM, a corporação não confirmou que um homem tivesse ordenado aos proprietários de estabelecimentos comerciais do bairro, durante a madrugada, que não abrissem.
"Se isso tivesse acontecido, a comunidade não deveria obedecer, mas sim acionar a polícia e passar as características do criminoso", disse o coronel.

Tiroteio
O toque de recolher foi determinado, segundo moradores, horas depois de uma troca de tiros entre policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e supostos traficantes que, de acordo com a PM, seriam ligados à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
O promotor Roberto Porto, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), que investiga o PCC, afirmou que não há nenhum indício de que os mortos sejam integrantes da facção criminosa. "Se eles fossem, nós saberíamos", disse Porto.
Na operação da PM, foram mortos dois homens, identificados inicialmente como José Iranildo Cassimiro Costa, 33, o Careca, e Paulo Sérgio dos Santos, 23, o Da Lua. A identificação deles ainda vai ser confirmada.
A ação começou por volta das 11h de anteontem, quando PMs encontraram um revólver em um apartamento da rua Oscar Cintra Gordinho. Em outro apartamento, foram encontradas mais duas pistolas e uma submetralhadora.
A PM teria fingido negociar com a quadrilha a libertação dos suspeitos em troca de um fuzil, que foi trazido até o local. Na hora da entrega, os PMs prenderam a mulher que trazia a arma, mas Careca e Da Lua, que estavam com ela, fugiram a pé.
Os dois foram perseguidos e atingidos pela Rota em um tiroteio na avenida do Estado. Morreram no hospital. Outras oito pessoas foram presas por corrupção ativa, formação de quadrilha, porte de arma, receptação e resistência a ordem de prisão.


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