São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

O melhor recorde de São Paulo


Nunca a cidade tinha registrado um número tão baixo de vítimas de homicídio como neste terceiro trimestre

DESDE o início da divulgação das estatísticas oficiais sobre criminalidade, na década de 1990, nunca a cidade de São Paulo tinha registrado um número tão baixo de vítimas de homicídio como no terceiro trimestre deste ano: 278. É menos 5,4% do que no mesmo período de 2008. Caiu 14% em relação ao trimestre anterior. Desde 1999, a queda chega a 79,74%.
A verdade é que ninguém sabe exatamente o que está acontecendo, existem apenas palpites. Em algum lugar entre esses palpites estão os caminhos para amenizar a violência urbana, a maior preocupação dos brasileiros -e drama cotidiano do Rio, na contagem regressiva para a Copa e Olimpíadas.

 

A capital fica ainda mais próxima de abolir o rótulo de epidemia para o assassinato. O nível epidêmico, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é de dez vítimas por 100 mil habitantes; a cidade tem, agora, 10,8. Pela primeira vez a capital consegue apresentar, proporcionalmente, um número de homicídios inferior do que o Estado, onde, aliás, o problema piorou.
O leitor que mora aqui deve estar se perguntando o seguinte: se esses números são verdadeiros, por que aumenta a sensação de insegurança? A resposta é simples: não apenas o patamar atual não é baixo, mas o crime em geral está pior. Na pior notícia da gestão Serra, o roubo, no terceiro trimestre, está em média 13% pior do que no mesmo período de 2008 -em três meses, ocorreram 40 mil roubos.
Se cada pessoa contou o caso para 20 pessoas, que, por sua vez, contaram para mais 20, imagine o tamanho dessa corrente. Basta o tiroteio que ocorreu em frente ao Mackenzie, na semana passada, para toda elite e classe média se comoverem.

 

Esse mesmo tipo de dúvida ocorre, nesse momento, nos EUA em torno de seu principal personagem ligado ao combate ao crime.
Chama-se William Bratton, decidido agora a dar consultorias. Depois de sete anos de trabalho, ele deixa a chefia de polícia de Los Angeles, com resultados notáveis -resultados que já tinha deixado em Boston e, em especial, Nova York.
Bratton se mudou para Los Angeles e o crime continuou caindo em Nova York, onde, na semana passada, Michael Bloomberg se reelegeu para o terceiro mandato prometendo notícias ainda melhores; a cidade voltou a ter indicadores semelhantes aos da década de 1960.
Quando morava em Nova York, Bratton me explicou, em entrevista à Folha, com simplicidade a razão do sucesso: 1) investir ao máximo na prevenção, com apoio da comunidade; 2) não tomar nenhuma decisão sem o mapa do crime na mão para focar as ações; 3) cobrar metas das delegacias como se cobram metas numa empresa privada.
Se não há dúvida de que essa ação funciona, também se sabe que pesam, e muito, fatores demográficos: menor número de jovens combinado com alta da escolaridade. É o que ocorre aqui, onde o policiamento comunitário funciona há mais tempo. Foi em São Paulo que se lançaram os programas de entidades não governamentais contra a violência, a campanha contra o desarmamento, o engajamento de empresários em projetos de segurança pública -e, onde, enfim, se expandiu o ensino médio.
A Fundação Seade mostrou que nos bairros onde mais evoluiu a matrícula dos jovens, a taxa de assassinato caiu mais rapidamente. O Datafolha mostra que mesmo nos bairros mais miseráveis, 40% da população tem ensino médio.

 

Com Bloomberg, Nova York reforçou ainda mais sua condição de laboratório mundial de experiências educacionais -ele conseguiu um fundo bilionário, com recursos de empresas, para tocar a inovação.
Entregou escolas públicas para a gestão privada, estabeleceu metas para cada diretor (metas não cumpridas significam demissão), estabeleceu prêmios por méritos, convocou talentos da sociedade para ensinar nos bairros mais pobres, montou sistemas eficientes de supervisões, em sala de aula, para professores. Aprimorou a rede de assistência social para os alunos mais problemáticos.
Graças ao Instituto Braudell, parte dessas experiências estão sendo testadas na periferia de São Paulo, com apoio empresarial.

 

Certamente não é por acaso que, durante o mandato de Bloomberg, as notas subiram e o crime caiu ainda mais -aliás, foi ele que disse que gostaria de ser avaliado pela nota dos alunos.

 

PS - Há um texto que deveria ser leitura obrigatória para quem é preocupado com a questão da segurança. Um dos capítulos do livro "Educação Básica no Brasil", lançado neste ano, mostra o que ocorreu com crianças pobres, em diversas cidades, que tiveram atendimento diferenciado desde bem pequenas -e puderam ser comparadas com um grupo de controle. Foram acompanhadas até a vida adulta.
Não só demonstraram maior desempenho escolar e chances de um bom emprego, mas menor incidência de transgressões e violências.
Coloquei trechos desse capítulo no www.dimenstein.com.br. No dia em que acreditarem (e deveriam) nessas informações, creche e pré-escola estarão no topo da agenda brasileira.

gdimen@uol.com.br


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