|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Com apenas 23 anos, cantor é a nova promessa da música erudita
Em seis meses de carreira, Jean William cantou para presidentes e plateias ilustres; criado pelo avô boia-fria, ele surpreende com voz rara e corpo franzino
MARIA EUGÊNIA DE MENEZES
DA REVISTA DA FOLHA
"Não, não vi", ela respondeu
quando vieram lhe perguntar
se sabia quem estava cantando
na sala. De fato, Carmen Valio,
47, não havia sequer cogitado
sair do escritório e se abalar até
a beira do piano.
Casada com o maestro João
Carlos Martins, 69, ela se acostumara a receber tantos músicos em casa que, ao ouvir a voz
portentosa, deduziu logo tratar-se de algum tenor conhecido. Mas não foi bem isso que
encontrou: deparou-se com um
menino mirradinho e magrinho, em nada parecido com o
"cantor velho e gordo" que havia imaginado.
O "mirradinho" em questão é
Jean William. Apesar dos 23
anos, é difícil crer que ele tenha
alcançado a maioridade. Com
1,63 m, pouco mais de 50 quilos, ele foge a todos os estereótipos de cantores de ópera, como Luciano Pavarotti.
Ele é dono, no entanto, de um
timbre que lhe fez saltar subitamente, do anonimato pobre em
Barrinha, cidade do interior
paulista, direto para os palcos
da Sala São Paulo e do teatro Alfa, duas das mais conceituadas
salas de concertos do país.
A história de Jean começa na
hora do almoço de uma sexta-feira de maio, quando ele subiu
o elevador até a cobertura de
um edifício na alameda Ministro Rocha Azevedo, no bairro
dos Jardins, em São Paulo.
"Nome bonito você já tem,
quero ver se sabe cantar", disse
Martins. Jean interpretou
"Ombra Mai Fu", ária da ópera
Xerxes, de Häendel. Nervoso,
sofreu para chegar até a última
nota. Recuperou o fôlego e ouviu a pergunta: "Você já tem
compromisso para amanhã?"
Na noite seguinte, diante de
2.000 pessoas, o jovem tenor
fez sua estreia em um concerto
no tradicional clube Pinheiros.
"Nunca tinha cantado na frente
de tanta gente", ele conta.
Tornou-se bolsista da Orquestra Bachiana Jovem Sesi,
projeto de João Carlos Martins
que descobre talentos musicais
na periferia, foi contratado pela
Orquestra Bachiana Filarmônica e ganhou uma agenda repleta de compromissos e um
salário de R$ 2.100.
A lista de admiradores ilustres de Jean não para por aí. No
último dia 27, em Brasília, o jovem tenor subiu ao palco do
Centro Cultural Banco do Brasil para cantar "Melodia Sentimental", de Heitor Villa-Lobos
e Dora Vasconcelos.
Na plateia, o presidente Lula,
que fazia aniversário na data,
acompanhou atento ao espetáculo e, logo depois, subiu às coxias para cumprimentá-lo. "Estendi a mão, mas ele me puxou
e me abraçou forte por muito
tempo", relata o cantor.
Foi na casa da faxineira Iraci
Silvana, 70, que Jean cresceu.
Quando a filha, Maria Madalena, lhe disse que pretendia se
casar novamente, Iraci consentiu que levasse a neta, mas fez
questão de ficar com o menino.
Piano de brinquedo
Mas quem ensinou Jean a
manejar seu primeiro piano de
brinquedo foi o avô. Boia-fria
na região de Ribeirão Preto, seu
Joaquim Apolinário da Silva,
77, veio de Minas Gerais e trouxe de lá seu apego à música. Tocador de violão, sanfona e rabeca, ainda hoje frequenta os ensaios na igreja, pelo menos três
vezes por semana, e não falta às
performances nas missas.
Durante alguns anos, Joaquim carregou o neto para lhe
fazer companhia e não demorou muito para que ele se tornasse o "astro" de celebrações
religiosas e autos de Natal.
Aos 17 anos, apresentando-se
durante a abertura de um congresso de educação, Jean ganhou uma terceira mãe. Com
quatro filhos, a professora de
geografia Julia Guidi, 60, resolveu "adotar" o menino mesmo
antes de conhecê-lo. Dali para
frente, Julia passou a insistir
para que ele estudasse, o colocou em um cursinho e só sossegou quando viu Jean aprovado
no vestibular e matriculado no
curso de cantor lírico.
Até o final do ano, Jean deve
concluir o bacharelado em canto pela USP de Ribeirão e terminar de gravar seu primeiro
CD, no qual mescla peças de
Bach a canções populares, como o "Samba em Prelúdio", de
Baden Powell e Vinicius de
Moraes.
Leia a versão digital da Revista em
www.folha.com.br/digital
Texto Anterior: Gilberto Dimenstein: O melhor recorde de São Paulo Próximo Texto: Frases Índice
|