São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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Com apenas 23 anos, cantor é a nova promessa da música erudita

Em seis meses de carreira, Jean William cantou para presidentes e plateias ilustres; criado pelo avô boia-fria, ele surpreende com voz rara e corpo franzino

MARIA EUGÊNIA DE MENEZES
DA REVISTA DA FOLHA

"Não, não vi", ela respondeu quando vieram lhe perguntar se sabia quem estava cantando na sala. De fato, Carmen Valio, 47, não havia sequer cogitado sair do escritório e se abalar até a beira do piano.
Casada com o maestro João Carlos Martins, 69, ela se acostumara a receber tantos músicos em casa que, ao ouvir a voz portentosa, deduziu logo tratar-se de algum tenor conhecido. Mas não foi bem isso que encontrou: deparou-se com um menino mirradinho e magrinho, em nada parecido com o "cantor velho e gordo" que havia imaginado.
O "mirradinho" em questão é Jean William. Apesar dos 23 anos, é difícil crer que ele tenha alcançado a maioridade. Com 1,63 m, pouco mais de 50 quilos, ele foge a todos os estereótipos de cantores de ópera, como Luciano Pavarotti.
Ele é dono, no entanto, de um timbre que lhe fez saltar subitamente, do anonimato pobre em Barrinha, cidade do interior paulista, direto para os palcos da Sala São Paulo e do teatro Alfa, duas das mais conceituadas salas de concertos do país.
A história de Jean começa na hora do almoço de uma sexta-feira de maio, quando ele subiu o elevador até a cobertura de um edifício na alameda Ministro Rocha Azevedo, no bairro dos Jardins, em São Paulo.
"Nome bonito você já tem, quero ver se sabe cantar", disse Martins. Jean interpretou "Ombra Mai Fu", ária da ópera Xerxes, de Häendel. Nervoso, sofreu para chegar até a última nota. Recuperou o fôlego e ouviu a pergunta: "Você já tem compromisso para amanhã?"
Na noite seguinte, diante de 2.000 pessoas, o jovem tenor fez sua estreia em um concerto no tradicional clube Pinheiros. "Nunca tinha cantado na frente de tanta gente", ele conta.
Tornou-se bolsista da Orquestra Bachiana Jovem Sesi, projeto de João Carlos Martins que descobre talentos musicais na periferia, foi contratado pela Orquestra Bachiana Filarmônica e ganhou uma agenda repleta de compromissos e um salário de R$ 2.100.
A lista de admiradores ilustres de Jean não para por aí. No último dia 27, em Brasília, o jovem tenor subiu ao palco do Centro Cultural Banco do Brasil para cantar "Melodia Sentimental", de Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcelos.
Na plateia, o presidente Lula, que fazia aniversário na data, acompanhou atento ao espetáculo e, logo depois, subiu às coxias para cumprimentá-lo. "Estendi a mão, mas ele me puxou e me abraçou forte por muito tempo", relata o cantor.
Foi na casa da faxineira Iraci Silvana, 70, que Jean cresceu. Quando a filha, Maria Madalena, lhe disse que pretendia se casar novamente, Iraci consentiu que levasse a neta, mas fez questão de ficar com o menino.

Piano de brinquedo
Mas quem ensinou Jean a manejar seu primeiro piano de brinquedo foi o avô. Boia-fria na região de Ribeirão Preto, seu Joaquim Apolinário da Silva, 77, veio de Minas Gerais e trouxe de lá seu apego à música. Tocador de violão, sanfona e rabeca, ainda hoje frequenta os ensaios na igreja, pelo menos três vezes por semana, e não falta às performances nas missas.
Durante alguns anos, Joaquim carregou o neto para lhe fazer companhia e não demorou muito para que ele se tornasse o "astro" de celebrações religiosas e autos de Natal.
Aos 17 anos, apresentando-se durante a abertura de um congresso de educação, Jean ganhou uma terceira mãe. Com quatro filhos, a professora de geografia Julia Guidi, 60, resolveu "adotar" o menino mesmo antes de conhecê-lo. Dali para frente, Julia passou a insistir para que ele estudasse, o colocou em um cursinho e só sossegou quando viu Jean aprovado no vestibular e matriculado no curso de cantor lírico.
Até o final do ano, Jean deve concluir o bacharelado em canto pela USP de Ribeirão e terminar de gravar seu primeiro CD, no qual mescla peças de Bach a canções populares, como o "Samba em Prelúdio", de Baden Powell e Vinicius de Moraes.


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