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Médico é investigado por supostos crimes sexuais
Pioneiro da fertilização no país, Roger Abdelmassih repudia acusações de ex-pacientes
Médico vê ação orquestrada
por concorrentes e afirma
que levará "caminhão" de
testemunhas; promotores
dizem que há provas "fortes"
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos pioneiros da fertilização in vitro no Brasil e um
dos especialistas mais procurados em sua área, Roger Abdelmassih, 65, está sendo investigado na Delegacia de Defesa da
Mulher e no Ministério Público do Estado de São Paulo por
suposto crime sexual contra
pacientes.
A polícia e os promotores colheram o depoimento de oito
ex-pacientes e de uma ex-funcionária, que acusam o médico
de tentar molestá-las. Ouviram
também o marido de uma das
acusadoras.
São mulheres entre 30 e 40
anos, casadas, bem-sucedidas
profissionalmente, de pelo menos três Estados diferentes,
que não se conheciam. Nenhuma delas aceita revelar publicamente sua identidade -com
exceção da ex-funcionária (leia
texto abaixo).
Dizem ter sido surpreendidas por investidas do médico
quando estavam sozinhas
-sem o marido e sem enfermeira presente (os casos teriam ocorrido durante a entrevista médica ou nos quartos
particulares de recuperação).
Três afirmam ter sido molestadas após sedação.
A investigação começou em
maio no Gaeco, grupo especial
do Ministério Público paulista.
Para os promotores José Reinaldo Carneiro, Luiz Henrique
Dal Poz e Roberto Porto, "já há
indícios contundentes contra
Abdelmassih, suficientes para
denunciá-lo à Justiça".
"São relatos detalhados de
diferentes vítimas, mulheres
que não ganham nada contando isso. As histórias têm muitas
similitudes e são bastante verossímeis", afirma Dal Poz.
O Ministério Público não
tem prova material contra o
médico, apenas relatos. "É um
tipo de crime perverso, que
nunca tem testemunhas nem
deixa marcas. Só na alma da
mulher", afirma Carneiro.
À Folha, Abdelmassih repudiou as acusações e disse ver
ação orquestrada por concorrentes. "Não sou louco. Se sou
alguém querido e a pessoa quer
se irritar, quer entender que
houve algo que não existiu, não
posso fazer nada. Seis, sete mulheres [que acusam]? Tenho 20
mil pacientes que se submeteram à fertilização in vitro, são
7.500 crianças nascidas. Vou
levar um caminhão de testemunhas", afirma o médico (leia
entrevista ao lado).
O crime investigado é atentado violento ao pudor (ato libidinoso diferente de estupro),
que pode acarretar até dez
anos de prisão. O médico ainda
não foi ouvido e não teve acesso à identidade das acusadoras.
Chamado a depor no Ministério Público em agosto, Abdelmassih apresentou atestado
médico para não comparecer.
Em novembro, o inquérito
desapareceu no Fórum da Barra Funda, em São Paulo. Depois de 30 dias, foi dado oficialmente como perdido, e um novo foi refeito a partir de cópias
dos depoimentos.
Às vésperas do Réveillon, um
segurança encontrou o inquérito, que tem cerca de cem páginas, em um banheiro do fórum. O Judiciário abriu sindicância para apurar o ocorrido.
Denúncia rejeitada
Esta não será a primeira tentativa do Ministério Público de
denunciar Abdelmassih. Em
setembro, os promotores ofereceram acusação formal contra o médico com base em dois
casos: o da ex-funcionária e o
de uma ex-paciente que acredita ter sido vítima de violência
sexual enquanto estava sedada
em 1999.
A denúncia, porém, foi rejeitada pela juíza Kenarik Boujikian Felippe sob o argumento
de que o Ministério Público
não tem poder de investigação.
No mesmo dia, ela enviou o caso à polícia, que passou a trabalhar com a Promotoria.
Uma das principais dificuldades dos promotores é convencer as supostas vítimas a
depor. Apesar de se dizerem indignadas com o que teria ocorrido, a maioria reluta -além
das nove depoentes, seis mulheres contaram suas histórias
ao Ministério Público, mas não
quiseram formalizar uma acusação.
Anonimato
Sob a condição de não revelar nomes verdadeiros, a Folha
conversou com três mulheres
que falaram à polícia e com
duas que não querem depor.
A executiva Cláudia, 49, alega ter sido assediada pelo médico em 2003. "Aconteceu no
dia em que fui implantar os
embriões. Estava na sala de recuperação, me arrumando para sair, quando o dr. Roger entrou, me abraçou e disse que tinha pena por meu marido não
estar lá. Ele me deu um selinho
na boca, eu me afastei. Demorei para entender o que estava
ocorrendo, mas aí ele prendeu
o rosto com as mãos e passou a
me beijar à força."
Ela diz que tentava afastá-lo,
mas se sentia fraca por estar
voltando de uma sedação.
"Juntei as forças que tinha e
gritei. Ele se assustou e deixou
o quarto."
Cláudia afirma ter entrado
em depressão. "Eu carregava
cinco embriões em meu útero,
não poderia abandonar a chance de ser mãe, mas não queria
voltar. Fiquei pensando se tinha culpa, se tinha dado alguma abertura a ele."
Ela não contou ao marido e,
quando soube que não tinha
engravidado, voltou à clínica.
"Xinguei, quebrei coisas. Ele ficou impassível. Nunca mais
voltei nem tentei mais engravidar. Foi o fim do sonho de ser
mãe", afirma. Na época, Cláudia não deu queixa, mas agora,
após a abertura da investigação, aceitou falar à polícia.
Questionado pela Folha, Abdelmassih diz que não pode
responder a acusações como
essa porque não teve acesso
aos depoimentos. "Não sei
quem são essas mulheres nem
por que estão dizendo isso."
Em agosto de 2006, outra
ex-paciente, Vera, 34, foi à 2ª
Delegacia de Defesa da Mulher
de SP registrar boletim de
ocorrência contra o médico
por "importunação ofensiva ao
pudor". Vera diz que estava na
sala de Abdelmassih, se despedindo, quando ele "tentou beijá-la à força".
Afirmou que o médico agia
de "forma natural e perguntava
o motivo de ela suar frio". Como Cláudia, Vera também não
parou o tratamento, porque já
estava na fase de implantação
dos embriões, mas exigiu que
fosse supervisionado por outro
médico na mesma clínica. Ela
conseguiu engravidar.
Sobre esse caso, em que há
um BO, Abdelmassih diz que se
lembra da ex-paciente, mas
que ficou espantado ao saber
da acusação. "Eu me lembro
que, ao sair da clínica, grávida,
ela veio me dar um beijo e um
abraço de agradecimento. Me
diga: se tivesse havido assédio,
ela teria feito isso?"
Para o promotor Dal Poz, a
preocupação das mulheres em
manter o anonimato é comum
em crimes sexuais. "Há um receio do que irá acontecer com a
própria imagem, com a repercussão dos fatos na família e na
sociedade. É uma reação de
proteção. A vítima se retrai",
afirma.
Abdelmassih considera o
comportamento estranho. "Se
alguém é vítima de assédio,
continua o tratamento?", questiona.
A executiva Bruna, 40, diz
que, em 2006, após ter se submetido à extração de óvulos,
ainda estava no quarto de recuperação quando foi beijada por
Abdelmassih.
"À medida que despertava,
me vi sentada na maca, escorada pelo médico, que me dizia
para continuar beijando-o na
boca. Uma das mãos dele estava no meu peito, por dentro do
avental cirúrgico. Depois, apaguei de novo."
Bruna afirma que, ao recobrar a consciência, viu Abdelmassih com a braguilha da calça aberta, usando a mão dela
para se masturbar. "Comecei a
chorar. Como se fosse uma coisa normal, ele disse que, se eu
não quisesse, ele parava. Ainda
antes de deixar o quarto, ele
perguntou se eu poderia me
vestir sozinha. Saí, fui para a
recepção encontrar o meu marido. Só conseguia chorar."
Bruna afirma que não levou
o caso à polícia por temer
eventual retaliação de Abdelmassih, por ele ser um médico
famoso. Mas, por recomendação de um amigo, lavrou uma
escritura pública detalhando o
episódio-a Folha leu o documento.
Abdelmassih também não
comentou esse caso por não
conhecer a identidade da acusadora. "Como vou saber se de
fato é uma ex-paciente?"
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