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REPRESSÃO
Operação da PM não comprova participação de refugiados no tráfico; policiais estão céticos sobre a suspeita
Investigação de angolanos intimida favela
FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio
O medo dos moradores e a revolta dos imigrantes angolanos
marcaram o segundo dia da ocupação da Polícia Militar no complexo da Maré (zona norte), área
conflagrada pela guerra entre grupos rivais do tráfico de drogas.
A polícia investiga -mas não
conseguiu provar até agora- a
participação de guerrilheiros angolanos no tráfico e na chacina da
semana passada na favela Nova
Holanda, quando seis pessoas foram assassinadas.
Entre 500 e 700 policiais estão
percorrendo as 15 favelas do complexo. Anteontem, um cabo da
PM foi morto no local, o que desencadeou a megaoperação.
Desde anteontem, 111 angolanos que vivem no complexo foram cadastrados pela PM, e sete
teriam sido levados para a Polícia
Federal, um deles com documentação falsa, segundo a polícia.
Os angolanos iam voluntariamente ao posto para o cadastramento ou eram "convocados para
averiguações" pelos policiais, que
percorriam as ruas em carros.
O complexo da Maré concentra,
segundo a PM, cerca de 2.000 angolanos refugiados ou imigrantes.
Em todo o Rio de Janeiro, há 1.100
refugiados angolanos.
Ontem, os angolanos se aglomeraram diante do posto da PM
na Vila do João. Negaram que sejam mercenários e estejam ensinando táticas de guerrilha aos traficantes. Muitos deles já querem
deixar a favela com medo.
"Não somos mercenários, guerrilheiros nem traficantes. Viemos
para viver em paz, e essa acusação
só vai aumentar o preconceito",
afirmou o refugiado João de Lemos Bande, 26.
Ele divide um barraco na favela
com o irmão, também refugiado.
Cada um recebe R$ 136 como ajuda de custo paga pelas Nações
Unidas. Bande faz um curso de
mecânica e está desempregado.
"Refugiado, angolano, negro,
morador de favela, alguém acha
que é fácil conseguir emprego?
Agora ainda sou mercenário? Por
conta dessa história dos mercenários, dois colegas nossos foram
demitidos", afirmou.
Otávio Simão, 25, chegou ao
Brasil há quatro meses. Disse que
seu pedido de refúgio está sendo
analisado, e vive do dinheiro enviado por parentes.
Simão disse que, em Angola, sonhava com o Brasil das novelas,
do samba e do futebol. Decepcionou-se. "Há guerra em Angola,
mas isso aqui também é uma
guerra civil. É muita violência. Já
vi gente armada como no meu
país. Não sei se sou feliz aqui."
Entre policiais, a informação de
que guerrilheiros estariam treinando traficantes é vista com ceticismo. O comandante do 22º
BPM (Batalhão de Polícia Militar), Rosemberg Rodrigues, disse
que tudo "é conversa fiada".
Domingo José Francisco, 25,
não é refugiado. Veio ao Brasil como turista, acabou ficando e, em
1998, foi beneficiado pela anistia
do governo aos imigrantes ilegais.
Francisco vive com a brasileira
Ivete Ferreira Gonçalves, 35, com
quem tem um filho. Sustenta também os três filhos do primeiro casamento da mulher. Ele é pedreiro e tinha emprego fixo até dezembro, quando foi demitido.
Hoje vive com seguro-desemprego e procura um novo trabalho.
Disse que veio ao Brasil em busca de paz. "Na minha terra, o povo é mais triste, por causa da guerra. Aqui o povo vive oprimido pela pobreza e pelo desemprego.
Mesmo assim, amo esse país. Só
quero um emprego."
Francisco mata as saudades de
seu país ouvindo música e cozinhando pratos típicos de lá. Já
adotou até o Flamengo como time, em homenagem à bandeira
rubro-negra de Angola.
Colaborou Mário Moreira
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