São Paulo, quarta-feira, 09 de fevereiro de 2005

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DE CAMAROTE

O que acontece após o frenesi?

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

E agora, que o Carnaval acabou? O clima hoje ainda continua, com a apuração dos desfiles das escolas de samba; enquanto uns vão chorar, dizer que houve roubo e injustiça -todo ano é igual-, outros vão comemorar na quadra da escola. Mas, a partir de amanhã, como vai ser a vida dos que se prepararam durante meses para desfilar na avenida, indo aos ensaios, escolhendo a fantasia, caprichando no samba, sem pensar em outra coisa?
Sempre tive uma grande curiosidade de saber quem são as moças lindas que aparecem na avenida sambando de biquíni, outras totalmente à vontade com os peitos de fora. As escolas são muitas, elas são muitas. O que fazem durante o ano? Talvez sejam comerciárias, ou trabalhem em escritório, talvez sejam manicures, cabeleireiras, talvez tenham um namorado -um marido, será?
Mas, depois que acaba o frenesi do Carnaval, a vida, para elas, deve ficar muito monótona. A distração passa a ser ver novela, uma biribinha aos sábados; mas como conseguem, depois de toda aquela empolgação? Porque não se trata de uma empolgação de uma hora, mas de meses, quando começam os preparativos.
Quando se vive grandes emoções, é sempre difícil voltar ao normal, e as do Carnaval são difíceis de esquecer. Tem a música para lembrar, as revistas, para ver se saiu uma fotinho, e tem as fantasias que sobram.
Sempre tive curiosidade de saber o que é feito das fantasias imensas, dos arranjos de pena, dos escudos dourados, dos biquínis cobertos de pedrarias. Para o próximo Carnaval nada vai ser aproveitado, e duvido que alguém consiga jogar tudo no lixo.
Por outro lado, não existe casa com um quarto vazio, sobrando, para guardar as lembranças de uma noite inesquecível. Dar de presente? Mas para quem? E os imensos carros alegóricos, com dragões soltando fogo pelas narinas, o que fazem com eles?
É triste saber que tudo vai desaparecer -como não sei, mas vai-, mas dá para pensar também que aquele espetáculo que mobilizou tanta gente durante tanto tempo foi feito mesmo para durar apenas uma noite, e depois não se pensar mais nisso. E todos os anos vai ser igual, sem sentimentalismos nem saudades.
Não sei por que, me vieram à cabeça aquelas histórias de antigamente, das moças que quando recebiam uma flor do namorado marcavam páginas do livro com uma pétala, para nunca esquecer desse dia. Havia caixas com a grinalda da noiva -o que se faz com uma grinalda usada, aliás?-, o buquê e até o primeiro dentinho de leite que caía do filho. Para começar, qual namorado oferece uma flor? Quem se casa de vestido de noiva e grinalda? Quem percebe que o dentinho do filho está mole e vai cair? Seguramente, não as que desfilam na avenida.
Mas devo estar louca de pensar nessas coisas, sobretudo hoje. O lance é ficar grudada na televisão para saber qual a escola campeã, e começar a pensar no Carnaval do ano que vem.


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