São Paulo, sábado, 09 de março de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

O papel da Justiça Eleitoral

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A agitação provocada pela resposta do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) à consulta que lhe foi endereçada por dois deputados pode ter sequência mais serena no plano jurídico, discutindo o papel que esse ramo do Poder Judiciário desempenha, segundo as definições constitucionais e legais de sua missão.
Os dois parlamentares, especialmente qualificados pela capacidade de expressarem suas idéias com clareza e propriedade (Miro Teixeira, do Rio de Janeiro, e José Roberto Batocchio, de São Paulo, ambos do PDT), quiseram saber do TSE o limite para composição das alianças nacionais e estaduais nas próximas eleições. O TSE respondeu, agitando o campo do jogo político. Até Teixeira e Batocchio, escrevendo nesta Folha, mostraram posições diferentes sobre o resultado.
Para responder à consulta, o TSE se serviu de sua competência excepcional, que se compreende em face da natureza particular do processo eleitoral, cuja essência se esgota em cada pleito.
Por isso, o parágrafo 3º do artigo 121 da Carta Magna determina a irrecorribilidade das decisões proferidas por esse tribunal. Ou seja: o TSE é a instância final do percurso eleitoral, salvo em questões nas quais o julgamento anterior contrariar a Constituição ou denegar habeas corpus ou mandado de segurança, passando ao Supremo Tribunal Federal. Só isso. Em todos os demais casos o processo termina no TSE.
O Código Eleitoral "contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, precipuamente os de votar e ser votado", como está no artigo 1º. O TSE tem poderes para interferir diretamente na dinâmica da luta política, por iniciativa própria, nos termos do parágrafo único desse mesmo artigo 1º, tanto que lhe cabe expedir instruções para a fiel execução das normas constantes do Código.
Uma das possibilidades abertas a autoridades de qualquer dos poderes, providas de jurisdição federal, ou ainda de órgãos nacionais de partidos políticos, consiste na apresentação de consultas em tese, sobre matéria eleitoral, ao TSE (artigo 23 do Código). É evidente que, tanto nesse caso como no das instruções expedidas, o tribunal interfere diretamente no andamento jurídico-político.
Serve de exemplo, entre muitos outros, a propaganda eleitoral, elemento decisivo do resultado dos pleitos. Suzana de Camargo Gomes, em dissertação acadêmica com a qual obteve o título de mestre em direito na Universidade de Lisboa (Revista dos Tribunais, 1998, 242 páginas), observa que a "Justiça Eleitoral tem o dever de velar pela propaganda eleitoral, de sorte a permitir o livre diálogo democrático dentro dos padrões de lisura e honestidade..." Os dois deputados foram levados à consulta por esses mesmos padrões, conhecedores que são da regra constitucional, segundo a qual os partidos políticos têm "caráter nacional" (Constituição, artigo 17).
Convém notar, ainda, que entre as competências privativas da corte está a de "tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral". A longa experiência histórica confirma que decisões dos juízos e juízes eleitorais, mesmo não referendadas pela vontade popular, são acolhidas pela Constituição.
Os dois parlamentares esperaram pela resposta. Tratou-se de uma consulta conhecida, feita às claras. Entrou na pauta de julgamento, processada na forma da lei. Os segmentos da classe política discordantes do resultado acordaram tarde. Esqueceram a milenar máxima jurídica: "dormientibus non succurrit jus" (a quem dorme o direito não socorre).



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