São Paulo, segunda, 9 de março de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONSUMO
Devedor fica com carro se pagar atraso

RITA NAZARETH
da Reportagem Local

Você deixou de pagar uma parcela do financiamento do seu veículo e agora terá de devolvê-lo, sem possibilidade de recorrer. Se você pagou pelo menos 40% do valor do financiamento, poderá ficar com o bem, mas terá de pagar, de uma vez, o atraso e o resto da dívida. Certo? Errado.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, são nulas as cláusulas contratuais que estabelecem perda total das prestações pagas em benefício do credor. Dessa forma, a empresa não pode pôr fim ao contrato e exigir a retomada do bem devido ao atraso no pagamento de prestações.
"O consumidor que quiser pagar o valor atrasado pode e deve fazê-lo para ficar com o bem", diz o promotor de Justiça Marco Antonio Zanellato, do Ministério Público de São Paulo. "Vale ressaltar ainda que não está estipulado no código que o devedor depende de um valor mínimo, já pago, para continuar no negócio."
"Apenas o credor sai beneficiado com esse tipo de contrato", diz Zanellato. "A empresa desfaz o negócio, fica com o carro, com o dinheiro pago e com o valor obtido com a venda do veículo em leilão."
O grande problema, segundo ele, é que as empresas têm uma base legal sustentando esses procedimentos. "Um decreto-lei de 1969, ainda em vigor, é o argumento das concessionárias", diz .
Segundo a lei, quando o bem está alienado, ou seja, quando ainda é de propriedade do credor, e o devedor atrasa o pagamento, o contrato pode ser encerrado segundo a vontade do credor.
Sem conversa
Há dois anos, o professor de tênis Adriano de Oliveira Souza, 29, fez um contrato de financiamento com a Conprof Administradora de Consórcio, que fica no bairro da Consolação, na região central de São Paulo.
Por estar desempregado, ele conta que deixou de pagar seis parcelas do financiamento e, por isso, teve de devolver seu carro à Conprof.
"Mas eu já tinha pago mais da metade das prestações do carro", diz Souza. Seu advogado, Fernando Cabeças Barbosa, afirma que ele pagou 26 das 50 prestações e, mesmo assim, seu carro foi levado, sem possibilidade de ser retomado.
"A concessionária me informou na época que, se eu quisesse ter o bem de volta, deveria pagar, além do valor em atraso corrigido, o resto das prestações de uma só vez", diz o professor.
Souza afirma ainda que, por não querer perder o carro, entrou na Justiça, pagou as mensalidades atrasadas e continua pagando as parcelas do carro em juízo.
"A concessionária, no entanto, agiu de má-fé, porque não está mandando boletos bancários para a casa de Adriano (Souza)", diz Barbosa. "Por isso, ele decidiu pagar em juízo a sua dívida."
A Conprof Administradora de Consórcio dá sua versão (leia texto ao lado).
Vale lei posterior
Por considerar extremamente lesivo ao consumidor, o juiz relator do caso considerou o decreto-lei 911 sem efeito.
"O que vale é a lei posterior, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor", diz o juiz Cláudio Soares Levada, do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.
"É evidente, no entanto, que se o atraso não for pago, o carro não será devolvido", diz o juiz.
"Essa decisão deverá abrir caminho para novas ações, que deverão mudar a conduta abusiva de certas concessionárias no Brasil inteiro", diz Zanellato.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.