São Paulo, segunda, 9 de março de 1998

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DESPEDIDA
Hotel, que será desativado hoje, recebeu celebridades dos anos 50 a 70
Hotel Jaraguá fecha a porta sem o brilho de suas estrelas

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Cândido Martins, 72, chefe da portaria, o mais antigo funcionário, na frente do prédio do hotel, no centro da cidade


AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

As camas do hotel Jaraguá, onde dormiam as celebridades que passavam por São Paulo nas décadas de 50 a 70, começam a ser desmontadas na manhã de hoje. O hotel, no centro da cidade, fecha suas portas nesta segunda-feira.
O prédio de 21 andares foi comprado em novembro passado pela empresa que controla o "Diário Popular". O Diário já ocupava os seis primeiros pavimentos do prédio, os mesmos que abrigavam antes o jornal "O Estado de São Paulo". O negócio com o último proprietário, a imobiliária Savoy, teria envolvido R$ 10 milhões.
O Jaraguá abriu suas portas em 25 de janeiro de 1954, dia em que São Paulo comemorava seu quarto centenário. Até o final dos anos 70, o hotel foi símbolo de glamour. Ninguém famoso, de presidente a celebridade do cinema, passava por São Paulo sem dormir ali. Eram 164 apartamentos e 22 suítes disputadas com antecedência.
No último final de semana, pelos corredores desertos, os funcionários contavam histórias dos célebres hóspedes: Alain Delon, Robert Kennedy, Fidel Castro, Ella Fitzgerald, Yuri Gagarin, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Sofia Loren, Tony Curtis, Louis Armstrong, Raul Seixas, Prestes Maia, Brigite Bardot, times de futebol, políticos de todas as tendências e cantores de vários gêneros.
"Era tanta gente importante que não percebi passar os anos", conta Cândido Martins, 73, o mais antigo funcionário. Martins estava presente no dia da inauguração e disse que estará lá hoje, quando o último hóspede sair com as malas. "Vai ser um momento triste", diz.
Ele e a mulher começaram no hotel como arrumadores de quarto, os dois recém-casados e recém-chegados de Portugal. "Passei minha vida aqui e ganhei minha vida aqui." Comprou casa e carro com a caixinha que ganhou. "Era gente que não contava dinheiro", diz.
O hotel mudou muito nos últimos 15 anos. No início dos anos 80, o Jaraguá foi vendido pela rede Horsa para a Clímax, de Curitiba. A mudança de mãos e o surgimento de novos hotéis na cidade prenunciaram as dificuldades.
"O Jaraguá continuou com o melhor serviço e as melhores acomodações", diz Olímpio Fanini Filho, 47, gerente e interventor do hotel. O problema -segundo ele- foram os muitos planos econômicos e os "altos aluguéis" cobrados pela Savoy.
O caso foi para a Justiça que, em 1992, nomeou um interventor. Com a venda do prédio, aconteceu o despejo. "Estamos estudando o que fazer com o prédio", diz Marco Antonio Biasi, diretor da empresa "Diário Popular". Segundo ele, uma das hipóteses é reformá-lo como hotel ou apart-hotel.
O Jaraguá quase não tem mais vestígios dos tempos áureos. O bar do térreo, ponto de referência da noite paulistana e local de encontro de celebridades e jornalistas, virou escritório. O saguão do hotel, cenário das entrevistas da época, é hoje um hall acanhado. "A parede aqui era um veludo azul que dava gosto de passar a mão", diz o ascensorista Francisco Cunha Fernandes, 42, 22 anos de casa. Hoje, é papel de parede.
O 8º andar abrigava uma boate cuja rotina eram jantares dançantes e música ao vivo. No mesmo piso ainda está a barbearia com torneiras de prata.
No 9º andar ainda há o restaurante com cozinha para 200 hóspedes. O maître Sebastião Cavalcanti Albuquerque, 57, 32 anos de hotel, se recorda do prato mais famoso, o contrafilé a Jaraguá, com batatas coradas e arroz piamontês, uma espécie de rizoto ao creme de cogumelos.




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