São Paulo, terça-feira, 09 de abril de 2002

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ENCHENTES

Córrego derrubou maior parte do imóvel; moradora, que resiste à desocupação, deve parcelas do imposto de 95 a 99

Contribuinte paga IPTU de casa "engolida"

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A dona-de-casa Lusanira Leonor Ferreira, 59, enfrenta um paradoxo: tem de pagar uma dívida de IPTU por uma casa que precisa desocupar por ter sido quase destruída pelas enchentes do córrego da Paciência, no Jaçanã, zona norte de São Paulo.
Os transbordamentos são, em parte, resultado do descaso histórico de sucessivas administrações municipais, que não evitaram o acúmulo de lixo e detritos e o consequente avanço das águas do córrego.
A displicência do poder público não se repetiu na hora da cobrança do imposto sobre o imóvel. Lusanira está pagando uma dívida renegociada de R$ 2.305 (valor de dezembro), referente ao IPTU atrasado de 95 a 99. A renegociação suspendeu um processo de despejo.
Com o salário de R$ 400 da filha Francisca, que é metalúrgica, conseguiu pagar R$ 854. O imóvel está isento do IPTU de 2002.
O problema é que, no dia 22 passado, a cozinha desabou depois de uma forte chuva ocorrida na madrugada do dia anterior.
Com isso, a casa -que já teve a área de serviço e um quarto "engolidos" pelo córrego, há três anos- ficou reduzida a apenas dois cômodos, que totalizam cerca de 20 m2.
Lusanira paga uma dívida referente a um imóvel de 70 m2 -a área construída registrada originalmente na prefeitura.
Ela, os dois filhos e as duas netas (de nove e sete anos) dormem em beliches dispostos no mesmo cômodo e convivem com o temor de ver o único imóvel despencar.
Um dia depois de a cozinha ter desabado, Lusanira foi intimada pela Defesa Civil a desocupar o imóvel, porque o restante das paredes apresenta rachaduras, segundo laudo assinado por dois peritos.
"A prefeitura diz que tudo é problema do rio. Agora, me diga: como é que eu vou brigar com um rio?", questiona a dona-de-casa, que já não sabe a quem recorrer.
Se descumprir a determinação de desocupar o imóvel, ela poderá ser retirada da casa pela polícia e ainda ser alvo de inquérito para apuração de responsabilidades.
Lusanira conta que, toda vez que vai pagar o imposto atrasado, informa que o córrego está "engolindo" sua casa. A resposta, diz ela, é que isso é um problema a ser resolvido na Administração Regional do Jaçanã. Mas a dívida precisa ser quitada.
A regional cedeu parte do material para construir um muro de arrimo. "Gastamos o dinheiro que poderíamos ter usado para fazer obras de contenção pagando imposto", diz Francisca, a filha da dona-de-casa.

Muros
Samuel Antônio, 63, vizinho de Lusanira, que mora há 52 anos na rua Pedro O. Contieri, às margens do Paciência, apelidou o córrego de "cabo eleitoral".
"Isso aqui já rendeu muito voto", diz Antônio. Depois de seis anos de enchentes fortes, os moradores construíram muros que bloqueiam a porta das casas contra o aguaceiro. Para entrar em casa, só pulando.



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