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ENCHENTES
Córrego derrubou maior parte do imóvel; moradora, que resiste à desocupação, deve parcelas do imposto de 95 a 99
Contribuinte paga IPTU de casa "engolida"
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
A dona-de-casa Lusanira Leonor Ferreira, 59, enfrenta um paradoxo: tem de pagar uma dívida
de IPTU por uma casa que precisa
desocupar por ter sido quase destruída pelas enchentes do córrego
da Paciência, no Jaçanã, zona norte de São Paulo.
Os transbordamentos são, em
parte, resultado do descaso histórico de sucessivas administrações
municipais, que não evitaram o
acúmulo de lixo e detritos e o consequente avanço das águas do
córrego.
A displicência do poder público
não se repetiu na hora da cobrança do imposto sobre o imóvel. Lusanira está pagando uma dívida
renegociada de R$ 2.305 (valor de
dezembro), referente ao IPTU
atrasado de 95 a 99. A renegociação suspendeu um processo de
despejo.
Com o salário de R$ 400 da filha
Francisca, que é metalúrgica, conseguiu pagar R$ 854. O imóvel está isento do IPTU de 2002.
O problema é que, no dia 22
passado, a cozinha desabou depois de uma forte chuva ocorrida
na madrugada do dia anterior.
Com isso, a casa -que já teve a
área de serviço e um quarto "engolidos" pelo córrego, há três
anos- ficou reduzida a apenas
dois cômodos, que totalizam cerca de 20 m2.
Lusanira paga uma dívida referente a um imóvel de 70 m2 -a
área construída registrada originalmente na prefeitura.
Ela, os dois filhos e as duas netas
(de nove e sete anos) dormem em
beliches dispostos no mesmo cômodo e convivem com o temor de
ver o único imóvel despencar.
Um dia depois de a cozinha ter
desabado, Lusanira foi intimada
pela Defesa Civil a desocupar o
imóvel, porque o restante das paredes apresenta rachaduras, segundo laudo assinado por dois
peritos.
"A prefeitura diz que tudo é
problema do rio. Agora, me diga:
como é que eu vou brigar com um
rio?", questiona a dona-de-casa,
que já não sabe a quem recorrer.
Se descumprir a determinação
de desocupar o imóvel, ela poderá
ser retirada da casa pela polícia e
ainda ser alvo de inquérito para
apuração de responsabilidades.
Lusanira conta que, toda vez
que vai pagar o imposto atrasado,
informa que o córrego está "engolindo" sua casa. A resposta, diz
ela, é que isso é um problema a ser
resolvido na Administração Regional do Jaçanã. Mas a dívida
precisa ser quitada.
A regional cedeu parte do material para construir um muro de
arrimo. "Gastamos o dinheiro
que poderíamos ter usado para
fazer obras de contenção pagando
imposto", diz Francisca, a filha da
dona-de-casa.
Muros
Samuel Antônio, 63, vizinho de
Lusanira, que mora há 52 anos na
rua Pedro O. Contieri, às margens
do Paciência, apelidou o córrego
de "cabo eleitoral".
"Isso aqui já rendeu muito voto", diz Antônio. Depois de seis
anos de enchentes fortes, os moradores construíram muros que
bloqueiam a porta das casas contra o aguaceiro. Para entrar em
casa, só pulando.
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