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São Paulo, quarta-feira, 09 de abril de 2003

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AMBIENTE

Nem mosquitos conseguem sobreviver à ação de água contaminada por metais pesados em área da baía de Sepetiba

Barragem rompe e polui mangue no Rio

SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A ITAGUAÍ (RJ)

A barragem da Companhia Mercantil e Industrial Ingá (Itaguaí, cidade a 70 km do Rio), que armazena cerca de 50 milhões de litros de água contaminada por metais pesados, se rompeu em dezenas de pontos. Água e lama tóxicas estão escorrendo diretamente para os manguezais da baía de Sepetiba.
Pelo menos 6.000 metros quadrados do mangue já foram atingidos. O vazamento devastou cerca de 300 metros quadrados do manguezal. No trecho mais afetado pelos vazamentos, a lama soterrou a vegetação. Só restaram tocos de madeira.
O desastre ecológico tantas vezes anunciado por ambientalistas já começou.
Não há mais caranguejos nos trechos do manguezal em torno do lago. Também não há peixes. As aves não voam na região, conforme a Folha constatou ontem no local. Não há garças ou outras espécies de pássaros aquáticos, habitantes costumeiros de lagos como o da Ingá, empresa que faliu há oito anos e está abandonada.

Sem insetos
O mais incrível é que nem insetos são notados. Aquele trecho do litoral do Estado do Rio, conhecido como Costa Verde -vai de Itaguaí a Parati, na divisa com São Paulo-, é famoso pelos mosquitos, que incomodam moradores e visitantes. Não há mosquitos em volta do lago.
A água está escorrendo para os manguezais por fissuras no dique de argila que circunda o lago. Ao longo de 300 m, há pelo menos 50 sulcos de água escapando diretamente para o mangue a partir de reentrâncias na estrutura do dique. Formam riachos que serpenteiam pelo terreno até alcançar a vegetação. Há trechos do mangue já completamente soterrados.
O problema tem se agravado com as chuvas recentes. Em fevereiro, o diretor da Divisão de Meio Ambiente da Prefeitura de Itaguaí, Vinícius Leandro, vistoriou o reservatório. Ontem de manhã, ele voltou ao local.
Leandro constatou que o dique está perto de uma ruptura total. "A situação piorou bastante. A água está vazando para os manguezais. O reservatório está quase transbordando. O dique pode se romper na próxima chuva", previu ele. Os temporais têm sido diários na região.
O lago se formou ao longo dos últimos 40 anos. A indústria Ingá, que entrou em operação na década de 50, depositava os resíduos da produção de lingotes de zinco em um terreno junto aos manguezais da baía de Sepetiba.
Os resíduos tóxicos formam hoje uma montanha de 15 metros de altura por 100 metros de largura. Com as chuvas, o material escorre para dentro do lago, aumentando ainda mais o seu volume.
Hoje, o lago, cuja profundidade máxima é estimada em dez metros, está a centímetros da borda do dique.
Na edição do último domingo, a Folha mostrou os riscos que a barragem da Ingá representa para o ecossistema da baía de Sepetiba, um dos mais belos trechos litorâneos do Estado do Rio.
Em 1996, o dique já se rompera durante uma tempestade, contaminando a baía. A pesca na região foi bastante afetada. Houve mortandade de peixes.
Análises químicas mostraram que moluscos e ostras espécies foram contaminados. O consumo de peixes que ingeriram os metais pesados depositados no mangue e na baía pode causar doenças que afetam os sistemas nervoso e motor e levam à morte se não houver tratamento adequado.

Presença de metais
O diretor do Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Olaf Malm, vistoriou o dique no ano passado, acompanhado de representantes do Ministério Público do Estado, do governo do Rio de Janeiro e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Malm recolheu cristais ao longo do entorno do lago. A análise das amostras revelou a presença de cádmio, chumbo e cobre.
"A água escorre, o rejeito seca e forma cristais. É uma mostra de que o dique está enfraquecido. É um caso bastante grave. O cádmio, por exemplo, é um metal muito tóxico", disse ele.


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