|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Financiamento de ações de prevenção no Brasil dependeria de política de abstinência; governo diz que medida é retrocesso
Governo rejeita projeto anti-Aids dos EUA
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O coordenador nacional de
DSTs/Aids do governo brasileiro,
Pedro Chequer, acusou o governo
George W. Bush de estar "espalhando para o mundo um retrocesso que poderá custar milhões
de vidas no futuro". No centro da
divergência estão US$ 48 milhões
que devem ser repassados no período de cinco anos para as ONGs
do setor de Aids no Brasil.
Na última terça o governo brasileiro refutou uma primeira proposta de contrato feita pela Usaid,
agência para o desenvolvimento
internacional do governo norte-americano, para financiamento
de ações de prevenção contra o
HIV no país por meio de ONGs.
Segundo Chequer, os representantes da Usaid querem direcionar as ONGs a desenvolver projetos em consonância com a política do governo norte-americano,
que tem a abstinência como princípio para a prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis.
Procuradas, a Usaid e a ONG
norte-americana Pact, responsável pelo repasse dos recursos no
país, não quiseram se manifestar.
Parte dos US$ 48 milhões, ou
quase US$ 10 milhões por ano, já é
repassada a cerca de 20 ONGs. Os
recursos não são dispensáveis.
Para efeito de comparação, a
União deve repassar neste ano para as ONGs US$ 10 milhões.
Para Chequer, a proposta norte-americana não é nem mais a chamada política "ABC", sigla para
"Abstinence, Be faithful or use
Condom", ou abstinência, fidelidade ou use preservativo. "Na
verdade, é abstinência. Acho que
é um retrocesso baseado em princípios fundamentalistas do protestantismo."
Além de tentar introduzir o
princípio da abstinência, considerado inadequado para políticas
públicas para o HIV, o contrato,
segundo Chequer, previa que nenhuma ONG financiada por recursos da Usaid poderia defender
a legalização da prostituição. "Temos de respeitar trabalhadores
sexuais. São pessoas, cidadãos
que têm direito ao atendimento
social".
Segundo Chequer, a defesa da
abstinência foi apresentada na
proposta de "abordagem multisetorial". "Óbvio que, se você não
tem relação sexual, não contrai o
vírus. Só que isso não é operacional nem factível. Nenhum país
responsável pode jogar nessa política sua primeira opção."
A decisão final sobre o contrato
só deve ocorrer no fim deste mês,
após reunião da Cnaids (Comissão Nacional de Aids), órgão de
avaliação das políticas do setor, a
respeito do assunto.
Segundo Chequer, a Usaid sinalizou que poderá não exigir a aplicação da política multisetorial pelas ONGs e que não fará restrições
àquelas que optarem por trabalhar só com o preservativo.
"Se houver acordo final, de modo algum vai representar revés à
política brasileira na defesa do
uso do preservativo e respeito à
pessoa", disse Chequer. "Estamos
abertos à negociação."
Os recursos são importantes,
mas não podemos vender a alma
ao diabo", disse Roberto Pereira,
coordenador do Fórum de
ONGs-Aids do Rio que integra a
Cnaids. "Sempre me pareceu esquizóide a posição inicial da
Usaid, de que no Brasil seria diferente", disse Pereira. Sua ONG, o
Cedus (Centro de Educação Sexual) decidiu não aceitar nenhum
recurso do órgão de fomento norte-americano.
Por pressão dos movimentos
sociais, a Cnaids deve discutir nos
próximos dias formas de controle
para as relações entre a Usaid e
ONGs do setor.
Texto Anterior: Pais divergem sobre medida Próximo Texto: Polêmica: Severino barra deputadas pró-aborto Índice
|