São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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SAÚDE

Financiamento de ações de prevenção no Brasil dependeria de política de abstinência; governo diz que medida é retrocesso

Governo rejeita projeto anti-Aids dos EUA

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O coordenador nacional de DSTs/Aids do governo brasileiro, Pedro Chequer, acusou o governo George W. Bush de estar "espalhando para o mundo um retrocesso que poderá custar milhões de vidas no futuro". No centro da divergência estão US$ 48 milhões que devem ser repassados no período de cinco anos para as ONGs do setor de Aids no Brasil.
Na última terça o governo brasileiro refutou uma primeira proposta de contrato feita pela Usaid, agência para o desenvolvimento internacional do governo norte-americano, para financiamento de ações de prevenção contra o HIV no país por meio de ONGs.
Segundo Chequer, os representantes da Usaid querem direcionar as ONGs a desenvolver projetos em consonância com a política do governo norte-americano, que tem a abstinência como princípio para a prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis.
Procuradas, a Usaid e a ONG norte-americana Pact, responsável pelo repasse dos recursos no país, não quiseram se manifestar.
Parte dos US$ 48 milhões, ou quase US$ 10 milhões por ano, já é repassada a cerca de 20 ONGs. Os recursos não são dispensáveis. Para efeito de comparação, a União deve repassar neste ano para as ONGs US$ 10 milhões.
Para Chequer, a proposta norte-americana não é nem mais a chamada política "ABC", sigla para "Abstinence, Be faithful or use Condom", ou abstinência, fidelidade ou use preservativo. "Na verdade, é abstinência. Acho que é um retrocesso baseado em princípios fundamentalistas do protestantismo."
Além de tentar introduzir o princípio da abstinência, considerado inadequado para políticas públicas para o HIV, o contrato, segundo Chequer, previa que nenhuma ONG financiada por recursos da Usaid poderia defender a legalização da prostituição. "Temos de respeitar trabalhadores sexuais. São pessoas, cidadãos que têm direito ao atendimento social".
Segundo Chequer, a defesa da abstinência foi apresentada na proposta de "abordagem multisetorial". "Óbvio que, se você não tem relação sexual, não contrai o vírus. Só que isso não é operacional nem factível. Nenhum país responsável pode jogar nessa política sua primeira opção."
A decisão final sobre o contrato só deve ocorrer no fim deste mês, após reunião da Cnaids (Comissão Nacional de Aids), órgão de avaliação das políticas do setor, a respeito do assunto.
Segundo Chequer, a Usaid sinalizou que poderá não exigir a aplicação da política multisetorial pelas ONGs e que não fará restrições àquelas que optarem por trabalhar só com o preservativo.
"Se houver acordo final, de modo algum vai representar revés à política brasileira na defesa do uso do preservativo e respeito à pessoa", disse Chequer. "Estamos abertos à negociação."
Os recursos são importantes, mas não podemos vender a alma ao diabo", disse Roberto Pereira, coordenador do Fórum de ONGs-Aids do Rio que integra a Cnaids. "Sempre me pareceu esquizóide a posição inicial da Usaid, de que no Brasil seria diferente", disse Pereira. Sua ONG, o Cedus (Centro de Educação Sexual) decidiu não aceitar nenhum recurso do órgão de fomento norte-americano.
Por pressão dos movimentos sociais, a Cnaids deve discutir nos próximos dias formas de controle para as relações entre a Usaid e ONGs do setor.


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