São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2008

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Quadrilha é acusada de criar tribunal paralelo do crime

Grupo atuava em Cajuru (SP) para punir inimigos; espancamento era um dos castigos

Suposto chefe da quadrilha dava ordens, por celular, de dentro da prisão; 12 pessoas foram presas após operação da Polícia Civil na cidade

GEORGE ARAVANIS
DA FOLHA RIBEIRÃO

Uma quadrilha de criminosos de Cajuru (a 311 km de SP) estabeleceu uma espécie de tribunal paralelo para punir inimigos na cidade. As "sentenças" eram dadas, por celular, por um criminoso preso na penitenciária de Álvaro de Carvalho (425 km de SP). Entre as ordens estava a de espancar quem desobedecia a ordens do grupo.
O esquema foi revelado após uma série de gravações da Polícia Civil local entre janeiro e março. A investigação começou após uma suspeita de que havia uma quadrilha da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) na cidade.
Foram gravadas cerca de 19 mil conversas com autorização judicial. Em 15 de março, 12 pessoas foram presas acusadas de associação ao tráfico na operação "Boca da Mata", em alusão ao apelido de Cajuru. Os presos negaram à polícia, na ocasião, participação no crime.
O suposto chefe da quadrilha é Fernando Aparecido de Oliveira Moura, 28, o Fantasma. Ele foi preso no ano passado, em Ribeirão Preto (314 km de SP), por tráfico de drogas.
Em uma das "sentenças", ele manda um subordinado surrar Silvão. Motivo: o "réu" tinha mania de andar nu na rua. "Tá pagando uma de doidão, mano? Vou arrancar sua pele." Silvão pede desculpas cinco vezes. Em seguida, reza a Ave Maria.
É possível ouvir o som de tapas. No final da conversa, Fantasma ordena: "Dá um papo reto nesse negócio de ele andar pelado que ele não é louco não".
Em outra ocasião, Edmar Caetano da Paixão, 27, o Fininho, apontado pela polícia como o braço direito de Fantasma, determina que um outro criminoso procure um homem e uma mulher que teriam assaltado a casa de um casal de idosos. Por telefone, um dos acusados reclama com Fininho: "Vocês não têm democracia". "Vem aqui que vou te mostrar a democracia", diz Fininho.
Para o delegado Paulo Piçarro, de Cajuru, que comandou as investigações, as gravações deixam claro o poder da quadrilha na cidade. "Ninguém podia roubar sem autorização deles."
A polícia concluiu o inquérito sobre a quadrilha. O caso está no fórum de Cajuru e corre em segredo de Justiça.
O diretor do Deinter 3 (departamento responsável pela Polícia Civil em Cajuru), George Millard, disse que o teor das gravações -ele sabia do caso, mas não do conteúdo- lembra o Velho Oeste. "É um absurdo. Querem substituir o Estado." Segundo ele, a quadrilha é um caso isolado, e não uma tendência de interiorização do crime.
Para o professor de psicologia social Sérgio Kodato, que coordena um grupo sobre violência na USP de Ribeirão, é uma estratégia do crime organizado atuar em pequenas cidades. "Inclusive a proximidade com a população, essa questão de resolver pendências de moradores, é para conquistar simpatia e garantir o fortalecimento da organização."

Outro lado
A Folha não encontrou a advogada de Fernando Moura, o Fantasma. De acordo com o advogado de uma das acusadas, ele e Edmar Paixão, o Fininho, não tinham advogado constituído no processo até 15 dias atrás. Três advogados ouvidos pela Folha, defensores de quatro dos acusados -que não aparecem nas gravações que a reportagem teve acesso- negam a participação de seus clientes na quadrilha.


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