São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

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SEGURANÇA

Medida pode concentrar poder, afirma autor

Unificação das polícias coloca em risco a sociedade, afirma coronel

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Defendida pela maioria dos especialistas brasileiros em segurança e prevista no programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a unificação das polícias Civil e Militar não é mais consenso entre os teóricos que analisam a questão no país.
Polêmico, um livro recém-lançado defende que a união geraria uma concentração ainda maior de poder dessas corporações -o que seria danoso para o cidadão.
A tese de "Polícia Militar: Segurança ou Ameaça?" é do coronel da reserva Laurentino Filocre, 62, ex-juiz do Tribunal de Justiça Militar mineiro. Para o autor, a unificação só atenderia a interesses políticos de alguns grupos. "Não se faz amálgama por decreto sob a inspiração de conveniências ocasionais. As duas polícias têm valores e culturas diversos, que devem ser respeitados e não adaptados." Leia trechos da entrevista:

 

Folha - Por que o sr. defende que a união entre a Polícia Civil e a Militar pode ser danosa ao cidadão?
Laurentino Filocre -
Sabemos que as PMs estão passando por um processo de degradação enquanto a criminalidade vem se acentuando. O que ocorre é que ainda não conhecemos bem as corporações. Só unificar sem conhecer as realidades de cada uma pode agravar o problema. Com a unificação, o poder de coerção ficaria ainda mais concentrado. Seria um risco à sociedade. Há vários países no mundo com duplicidade de polícias e situação bem melhor que a nossa, como França e Estados Unidos. As polícias devem atuar conjuntamente, mas cada uma com sua especificidade. A Constituição define a PM como militar, uma reserva do Exército. Não há como unificá-la totalmente com uma organização civil.

Folha - Como o sr. responde ao título de seu livro? A PM, hoje, representa mais segurança ou ameaça?
Filocre -
As duas coisas. Há episódios que mostram claramente a degradação da PM no Brasil, como a matança vergonhosa da Baixada Fluminense (RJ) e as gangues presas em Minas. A polícia existe para proteger, mas nossa sociedade não é feita só de anjos. O problema é que esse mínimo compreensível de desvio extrapolou. A violência policial é fruto de uma deformação das atribuições que a sociedade concedeu às PMs, sem que tenham sido dadas condições para exercê-las.

Folha - Condições financeiras? O problema são os salários baixos?
Filocre -
Insuficiência de formação, clima de impunidade aliado a leniência das autoridades. Desde o fim dos anos 60 os governos ampliaram demais as atribuições da PM e não deram condições de requalificação. Antes, a PM quase exclusivamente reprimia distúrbio civil, quebra-quebras. Passou a exercer o policiamento ostensivo a pé, de trânsito, florestal. Houve um desvio de rumo que acabou atingindo os alicerces morais da instituição. Um fenômeno que se acentuou recentemente, com a formação de quadrilhas de PMs.

Folha - No prefácio do livro, o ex-ministro Jarbas Passarinho diz que a Constituição de 88 trouxe emendas que se provaram nocivas, como o direito do voto estendido a todos os membros da PM. O sr. concorda?
Filocre -
Sim. Após a Constituição, associações de policiais passaram a ter um arremedo de sindicalização. É ruim, pois se politizou ações que deveriam ser técnicas. A greve da PM em Minas [1997] consagrou a impunidade. Em várias polícias do mundo há direito à manifestação. Mas a greve não pode ser admitida.

Qual deve ser o limite?
Filocre -
O do respeito às pessoas. O policial não é um cidadão comum. Ele dispõe de arma e de poder de coerção. Logo, é especial e não pode ter as mesmas liberdades de um cidadão comum.

Folha - O que deve ser feito para que a polícia não represente mais uma ameaça?
Filocre -
Reconhecer que a formação moral do policial é tão importante quanto a técnica. Além disso, fazer constante e minuciosa verificação da criminalidade nas PMs através do acompanhamento do Ministério Público e da Justiça Militar Estadual.


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