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SEGURANÇA
Medida pode concentrar poder, afirma autor
Unificação das polícias coloca em risco a sociedade, afirma coronel
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
Defendida pela maioria dos especialistas brasileiros em segurança e prevista no programa de
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a unificação
das polícias Civil e Militar não é
mais consenso entre os teóricos
que analisam a questão no país.
Polêmico, um livro recém-lançado defende que a união geraria
uma concentração ainda maior
de poder dessas corporações -o
que seria danoso para o cidadão.
A tese de "Polícia Militar: Segurança ou Ameaça?" é do coronel
da reserva Laurentino Filocre, 62,
ex-juiz do Tribunal de Justiça Militar mineiro. Para o autor, a unificação só atenderia a interesses políticos de alguns grupos. "Não se
faz amálgama por decreto sob a
inspiração de conveniências ocasionais. As duas polícias têm valores e culturas diversos, que devem
ser respeitados e não adaptados."
Leia trechos da entrevista:
Folha - Por que o sr. defende que
a união entre a Polícia Civil e a Militar pode ser danosa ao cidadão?
Laurentino Filocre - Sabemos
que as PMs estão passando por
um processo de degradação enquanto a criminalidade vem se
acentuando. O que ocorre é que
ainda não conhecemos bem as
corporações. Só unificar sem conhecer as realidades de cada uma
pode agravar o problema. Com a
unificação, o poder de coerção ficaria ainda mais concentrado. Seria um risco à sociedade. Há vários países no mundo com duplicidade de polícias e situação bem
melhor que a nossa, como França
e Estados Unidos. As polícias devem atuar conjuntamente, mas
cada uma com sua especificidade.
A Constituição define a PM como
militar, uma reserva do Exército.
Não há como unificá-la totalmente com uma organização civil.
Folha - Como o sr. responde ao título de seu livro? A PM, hoje, representa mais segurança ou ameaça?
Filocre - As duas coisas. Há episódios que mostram claramente a
degradação da PM no Brasil, como a matança vergonhosa da Baixada Fluminense (RJ) e as gangues presas em Minas. A polícia
existe para proteger, mas nossa
sociedade não é feita só de anjos.
O problema é que esse mínimo
compreensível de desvio extrapolou. A violência policial é fruto de
uma deformação das atribuições
que a sociedade concedeu às PMs,
sem que tenham sido dadas condições para exercê-las.
Folha - Condições financeiras? O
problema são os salários baixos?
Filocre - Insuficiência de formação, clima de impunidade aliado a
leniência das autoridades. Desde
o fim dos anos 60 os governos ampliaram demais as atribuições da
PM e não deram condições de requalificação. Antes, a PM quase
exclusivamente reprimia distúrbio civil, quebra-quebras. Passou
a exercer o policiamento ostensivo a pé, de trânsito, florestal. Houve um desvio de rumo que acabou
atingindo os alicerces morais da
instituição. Um fenômeno que se
acentuou recentemente, com a
formação de quadrilhas de PMs.
Folha - No prefácio do livro, o ex-ministro Jarbas Passarinho diz que
a Constituição de 88 trouxe emendas que se provaram nocivas, como
o direito do voto estendido a todos
os membros da PM. O sr. concorda?
Filocre - Sim. Após a Constituição, associações de policiais passaram a ter um arremedo de sindicalização. É ruim, pois se politizou ações que deveriam ser técnicas. A greve da PM em Minas
[1997] consagrou a impunidade.
Em várias polícias do mundo há
direito à manifestação. Mas a greve não pode ser admitida.
Qual deve ser o limite?
Filocre - O do respeito às pessoas. O policial não é um cidadão
comum. Ele dispõe de arma e de
poder de coerção. Logo, é especial
e não pode ter as mesmas liberdades de um cidadão comum.
Folha - O que deve ser feito para
que a polícia não represente mais
uma ameaça?
Filocre - Reconhecer que a formação moral do policial é tão importante quanto a técnica. Além
disso, fazer constante e minuciosa
verificação da criminalidade nas
PMs através do acompanhamento do Ministério Público e da Justiça Militar Estadual.
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