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Ex-chefe do IPT diz que pagamento do Metrô afeta isenção de laudo do instituto
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora seja "tecnicamente
consistente" e esteja de "parabéns" ao apresentar informações que derrubariam a tese de
fatalidade na cratera da linha 4
do metrô, a investigação do IPT
sobre a tragédia tem sua isenção afetada porque foi paga pelo Metrô, cliente diretamente
interessado nos resultados.
A opinião é de Milton de
Abreu Campanario, 58, ex-superintendente do IPT -cargo,
na época, equivalente ao de
presidente- de 1995 a 1998, no
governo Mário Covas (PSDB).
Ele condena a prática do instituto de receber pagamento de
partes envolvidas para emitir
pareceres de interesse público.
O IPT recebeu R$ 6,55 milhões para investigar a cratera.
Seu relatório apontou culpa
principalmente das construtoras para a tragédia, mas não
isentou a estatal, cuja fiscalização considerou deficiente.
Campanario trabalhou no
IPT por quase 30 anos. Foi demitido em 2007 após algumas
mudanças no instituto -contestadas por ex-funcionários
na Justiça sob a alegação de
perseguição e denunciadas ao
Ministério Público Estadual.
Leia abaixo trechos de duas
entrevistas dadas à Folha por
Campanario, uma antes e outra
depois da divulgação do laudo
do IPT. O técnico é PhD em desenvolvimento econômico pela
Cornell University e professor
da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP):
(ROGERIO PAGNAN E ALENCAR IZIDORO)
FOLHA - Qual é avaliação do sr. sobre a
investigação do IPT?
MILTON DE ABREU CAMPANARIO - O
dinheiro veio do Metrô. Está no
site do Metrô, é uma encomenda. Com essa operação mercantil, torna um laudo para a companhia do Metrô, e não para qualquer um. Claramente é um
laudo que tem um cliente. Isso
é diferente de ter como cliente
a sociedade. A isenção é diferente. O tipo de fé a depositar
num parecer assim é diferente.
FOLHA - O sr. então reprova que o IPT
receba dinheiro dos envolvidos?
CAMPANARIO - Dentro dos manuais de qualidade, quando você faz um laudo técnico tem
que ser independente. Não pode ser remunerado por quem
eventualmente possa ser indicado como um provável responsável por um dano. O IPT,
como um órgão de fé pública,
como um órgão extremamente
competente, ele teria de desenvolver esse trabalho de perícia
com recursos do Tesouro, e não
do Metrô, que é um órgão do
Estado e que pode ser responsabilizado pelo que aconteceu.
FOLHA - Perde-se a fé pública?
CAMPANARIO - Aí é que está a
questão. O [Nick] Barton, por
exemplo, é um consultor conhecido no meio técnico, mas
também foi contratado pelo
consórcio [Via Amarela] para
dar um parecer. Isso também
não é um laudo técnico. É mera
consultoria. Porque ele foi pago
para aquilo, por interesse particular. Não estou dizendo que
ele deu um parecer enviesado.
Estou dizendo que a boa prática não recomenda isso. É a
mesma coisa a situação do IPT.
FOLHA - Se o sr. estivesse no IPT, não
aceitaria o pagamento assim?
CAMPANARIO - Eu não aceitaria
de jeito nenhum. Como não
aceitei em alguns casos.
FOLHA - Por que houve a demissão do
sr. e de outros funcionários em 2007?
CAMPANARIO - Nós nos colocamos contra a mercantilização
do IPT em todas as áreas. O IPT
faz testes, faz ensaios laboratoriais para a iniciativa privada, e
vende esse serviço. Só que tem
um grau, depende do tipo de
serviço, que precisa ser absolutamente independente.
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