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São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Cem anos de vida e luta no Onze

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Abertos os cursos jurídicos no Brasil, em 1827, os alunos da Escola de Direito do convento de São Francisco, em São Paulo, começaram a formar confrarias um pouco à moda de Coimbra, embora quase sempre efêmeras, dada a mobilidade dos alunos. Ruy Barbosa e Castro Alves, por exemplo, vieram da Bahia no mesmo navio, mas terminaram atraídos pela corte, no Rio de Janeiro. Ainda não se estabelecera naquela coletividade heterogênea a consciência da representatividade estudantil em uma única agremiação. Depois de formados, os bacharéis tomavam o rumo de suas cidades, tanto que o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) foi fundado apenas em 1874, dando origem à Ordem dos Advogados neste Estado, em 1930.
Setenta e seis anos depois do começo dos cursos jurídicos, surgiu o primeiro grêmio dos estudantes de direito provido de permanência, o Centro Acadêmico XI de Agosto. Uniram-se para congraçamento e defesa em face dos professores, da direção da escola e da sociedade. A demora não deve causar estranheza também por outro motivo. Na fria e garoenta cidade provinciana, o largo de São Francisco, nos primeiros decênios da academia, era passagem de tropeiros e de gado em busca de oficinas de ferraria e de lugares de descanso das boiadas. Não sugeria muita proximidade.
Em notas a respeito de sua estada na São Paulo de 1860, Augusto Emílio Zaluar mencionou a academia e a mocidade acadêmica, uma "tribo de boêmios do estudo a que se chama estudantes". Disse mais, que "os habitantes da cidade e os cursistas da academia" compunham "um precipitado monstruoso", mas gerador de prosperidade. Os estudantes eram a alegria, a espontaneidade, as idéias novas e perturbadoras. "Tirem a academia de São Paulo, e esse grande centro morrerá inanido", concluiu Zaluar. É preciso reconhecer que o Seminário Episcopal de São Paulo tinha opinião diversa, considerando a academia verdadeiro "foco de imoralidade", talvez porque a estudantada inventasse sátiras ferozes contra padres e seminaristas menos santificados. São aspectos extraídos de pequeno volume que escrevi sobre a vida de Joaquim Ignácio Ramalho, barão de Ramalho, diretor da faculdade durante muitos anos, até falecer em 1902 (Saraiva e Iasp, 80 páginas, 2002).
No começo do século 20, São Paulo assumira sua feição dinâmica, chegando aos 240 mil habitantes. Quadriplicara nos dez anos precedentes. Foi na São Paulo, a caminho da modernidade, que surgiu o XI de Agosto como acréscimo imprescindível da sociedade paulistana. Consolidada a República, reformulado o quadro político, as condições sociais, políticas e econômicas se alteraram. Nelas, a inserção do centro acadêmico foi natural e profícua.
Nascido há um século, o Onze, como é conhecido, viveu os dias da Primeira Guerra Mundial (1914-18), as revoluções de 1924 e de 1932, a Segunda Guerra Mundial (1939-45), o Estado Novo, de Getúlio Vargas, o regime militar de 1964, além das muitas turbulências da própria cidade e do país. Em todos os momentos da história, a intervenção do centro acadêmico foi marcante na consciência social do interesse coletivo, justificando a persistência, na memória do tempo, da velha e sempre nova academia. Neste mês, em que o centenário de fundação é festejado, quando o mundo e São Paulo estão inteiramente mudados, o longo percurso da agremiação e os alunos de direito, que lhe deram vida, marcam a evolução do ensino jurídico e dos costumes, dando certeza de continuar levando, nos caminhos do futuro, a mesma inspiração dos que a criaram e desenvolveram.


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