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LETRAS JURÍDICAS
Cem anos de vida e luta no Onze
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Abertos os cursos jurídicos
no Brasil, em 1827, os alunos
da Escola de Direito do convento
de São Francisco, em São Paulo,
começaram a formar confrarias
um pouco à moda de Coimbra,
embora quase sempre efêmeras,
dada a mobilidade dos alunos.
Ruy Barbosa e Castro Alves, por
exemplo, vieram da Bahia no
mesmo navio, mas terminaram
atraídos pela corte, no Rio de Janeiro. Ainda não se estabelecera
naquela coletividade heterogênea
a consciência da representatividade estudantil em uma única
agremiação. Depois de formados,
os bacharéis tomavam o rumo de
suas cidades, tanto que o Instituto
dos Advogados de São Paulo
(Iasp) foi fundado apenas em
1874, dando origem à Ordem dos
Advogados neste Estado,
em 1930.
Setenta e seis anos depois do começo dos cursos jurídicos, surgiu
o primeiro grêmio dos estudantes
de direito provido de permanência, o Centro Acadêmico XI de
Agosto. Uniram-se para congraçamento e defesa em face dos professores, da direção da escola e da
sociedade. A demora não deve
causar estranheza também por
outro motivo. Na fria e garoenta
cidade provinciana, o largo de
São Francisco, nos primeiros decênios da academia, era passagem de tropeiros e de gado em
busca de oficinas de ferraria e de
lugares de descanso das boiadas.
Não sugeria muita proximidade.
Em notas a respeito de sua estada na São Paulo de 1860, Augusto
Emílio Zaluar mencionou a academia e a mocidade acadêmica,
uma "tribo de boêmios do estudo
a que se chama estudantes". Disse
mais, que "os habitantes da cidade e os cursistas da academia"
compunham "um precipitado
monstruoso", mas gerador de
prosperidade. Os estudantes eram
a alegria, a espontaneidade, as
idéias novas e perturbadoras. "Tirem a academia de São Paulo, e
esse grande centro morrerá inanido", concluiu Zaluar. É preciso reconhecer que o Seminário Episcopal de São Paulo tinha opinião
diversa, considerando a academia verdadeiro "foco de imoralidade", talvez porque a estudantada inventasse sátiras ferozes contra padres e seminaristas menos
santificados. São aspectos extraídos de pequeno volume que escrevi sobre a vida de Joaquim Ignácio Ramalho, barão de Ramalho,
diretor da faculdade durante
muitos anos, até falecer em 1902
(Saraiva e Iasp, 80 páginas, 2002).
No começo do século 20, São
Paulo assumira sua feição dinâmica, chegando aos 240 mil habitantes. Quadriplicara nos dez
anos precedentes. Foi na São Paulo, a caminho da modernidade,
que surgiu o XI de Agosto como
acréscimo imprescindível da sociedade paulistana. Consolidada
a República, reformulado o quadro político, as condições sociais,
políticas e econômicas se alteraram. Nelas, a inserção do centro
acadêmico foi natural e profícua.
Nascido há um século, o Onze,
como é conhecido, viveu os dias
da Primeira Guerra Mundial
(1914-18), as revoluções de 1924 e
de 1932, a Segunda Guerra Mundial (1939-45), o Estado Novo, de
Getúlio Vargas, o regime militar
de 1964, além das muitas turbulências da própria cidade e do
país. Em todos os momentos da
história, a intervenção do centro
acadêmico foi marcante na consciência social do interesse coletivo, justificando a persistência, na
memória do tempo, da velha e
sempre nova academia. Neste
mês, em que o centenário de fundação é festejado, quando o mundo e São Paulo estão inteiramente
mudados, o longo percurso da
agremiação e os alunos de direito,
que lhe deram vida, marcam a
evolução do ensino jurídico e dos
costumes, dando certeza de continuar levando, nos caminhos do
futuro, a mesma inspiração dos
que a criaram e desenvolveram.
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