São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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"Meu suor cheirava a veneno", diz lavrador

DO ENVIADO ESPECIAL

O agricultor Valdomiro José Schuster, 50, conta que conheceu o rosto da morte em novembro de 2000. Ficou seis dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) depois que rompeu uma mangueira no tambor de agrotóxico que ele aplicava no fumo. Dentro dele havia 400 litros de agrotóxico.
"Tive que fechar o tambor com a mão. Depois disso, bastava eu suar para voltar o cheiro do veneno", diz. Agora, ele só planta arroz e abandonou os agrotóxicos.
Schuster afirma que médicos da unidade do SUS (Serviço Único de Saúde) de Santa Cruz do Sul não quiseram interná-lo por intoxicação. "Aqui, se você está intoxicado, o médico diz que é leptospirose. Fui internado assim", conta. Os sintomas, afirma, são parecidos: vômito, dores nas pernas e a urina fica escura.
Depois que saiu da UTI, ele afirma que fez dois exames de leptospirose e o resultado deles foi negativo. Para Schuster, os casos de intoxicação são recusados porque as empresas de fumo temem que a imagem delas saia arranhada.
A secretária da Saúde de Santa Cruz do Sul, Denise Struecker, 38, diz que o SUS nunca se recusou a atender casos de intoxicação. "Seria omissão de socorro. Fazemos trabalho preventivo com os agricultores sobre agrotóxicos." Segundo ela, intoxicação não é caso de notificação compulsória.
O trabalho de prevenção parece não funcionar. Na última semana, Carlos Alberto Moraes, 33, aplicava o herbicida Gamit sem a roupa de proteção e sem máscara. "Trabalho com muito veneno desde os 12 anos e nunca me fez mal. É porque sou forte. Sem o agrotóxico, a safra fica muito menor."

Cultura tóxica
O fumo tem essa imagem de cultura tóxica por causa do passado, de acordo com Marco Dornelles, 40, agrônomo da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil).
Há 20 anos, afirma, um hectare de fumo consumia cerca de 60 kg de agrotóxico. No ano passado, foram 2 kg de princípio ativo por hectare. Os EUA empregam 34 kg na mesma área.
"O fumo brasileiro é o que usa menos agrotóxico no mundo", afirma Claudio Henn, 66, presidente do Sindifumo (Sindicato da Indústria do Fumo).
O país atingiu essa marca por exigência do mercado internacional -os três Estados do Sul do Brasil exportam 85% do fumo que produzem.
Segundo Henn, o fumo "limpo" e o combate ao trabalho infantil são as prioridades da entidade.
A razão dessas preocupações por parte da indústria é econômica: os compradores internacionais querem produtos socialmente corretos e sem agrotóxicos.
"Se tiver resíduo tóxico, o comprador recusa o fumo. Os chineses já fizeram isso com a soja brasileira", compara.


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