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MOACYR SCLIAR
Os perigos do laptop
Até laptop é usado em pagamento de
resgate. Cotidiano, 2.ago.2004
"Prezado senhor: estou
lhe escrevendo a propósito
do seqüestro do qual uma pessoa
de sua família foi vítima na semana passada e que foi inteiramente planejado e realizado por
mim. A operação foi bem sucedida, graças à sua colaboração, e só
tenho de lhe agradecer por isso.
Também lhe agradeço o fato de o
senhor ter atendido minhas exigências, que incluíam uma soma
em dinheiro, um telefone celular,
um relógio de pulso e um laptop.
É verdade que, em relação à
quantia, o senhor pechinchou
mais do que devia, levando minha paciência quase ao limite;
que o celular não é dos melhores e
que o relógio de pulso apenas
quebra o galho, mas não sou
pessoa de muitas exigências,
de modo que não veja nisso uma
reclamação.
Agora, com relação ao laptop
-que não é, diga-se de passagem, dos mais sofisticados-, aconteceu uma história interessante.
Eu já tinha um comprador para
ele. O homem me pagou e estava
com pressa de levá-lo, mas resolvi
me certificar de que nada ficara
na memória desse equipamento.
Isso para me proteger, claro, mas
também para proteger o senhor;
afinal, computador é coisa pessoal e o que a gente armazena ali
nem sempre pode ser revelado. E
então verifiquei que, na pressa
em pagar o resgate, o senhor tinha deixado vários arquivos. Alguns sem muito interesse, como
aquela coleção de piadas que,
francamente, me pareceram sem
graça. Mas chamou-me a atenção
um arquivo que o senhor intitulou Erótica e que li com muito
interesse. Pelo que percebi, é uma
troca de correspondência entre o
senhor e uma certa Isabela; e,
pelo que percebi, o senhor e a Isabela são um pouco mais do que
bons amigos... Em matéria de erotismo, essas mensagens são o
máximo, e quero lhe dar os meus
parabéns.
Mas vamos ao detalhe que importa. Andei fazendo algumas investigações privadas (sim, seqüestradores também precisam fazer
a lição de casa) e descobri que Isabela não é o nome de sua esposa,
que se chama Joana. Isabela é a
moça que trabalha no escritório
ao lado do seu, e que o senhor conheceu casualmente, no elevador.
Conversa vai, conversa vem, a
coisa ficou, como o senhor mesmo
diz, erótica, e a partir daí vocês
têm se encontrado regularmente.
Tudo bem, não sou moralista e
nada tenho contra ligações extra-conjugais, mas aqui está a minha
proposta: quero R$ 20 mil para
não enviar à dona Joana (já tenho até o e-mail dela) o arquivo
Erótica. Sei que o senhor protestará; sei que o senhor dirá, irritado,
que não bastava o seqüestro, ainda tem a chantagem. Mas o senhor precisa entender que as coisas estão difíceis, a taxa de juros
continua alta, o custo de vida não
é pequeno, de modo que sou obrigado a recorrer a esse expediente.
Mande, portanto, o dinheiro.
Ah, e mande também uma bolsa
para o laptop. O comprador faz
questão disso. Diz que esse tipo de
equipamento é delicado, e não
pode estar sujeito a choques."
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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