São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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EDUCA€ÃO
Adolescentes afirmam que pais não os acompanham; resultado está em tese de mestrado defendida na USP
Filho sente falta dos pais
na vida escolar

MARTA AVANCINI
da Reportagem Local

"Meu pai não pergunta muito. Ás vezes é ruim porque quando chega o boletim, as notas não são as que ele esperava. Daí ele cobra, mas nem sabe direito como as coisas aconteceram."
"Sinto falta do carinho do meu pai. Isso me afeta na escola. Fico pensando em problemas e não presto atenção. Se fosse diferente, poderia ir melhor."
As declarações de J.V.B. e S.W., ambos de 15 anos, sintetizam um sentimento de abandono com que muitos terapeutas, psicólogos e orientadores educacionais têm convivido com mais e mais frequência e que se tornou tema de uma dissertação de mestrado defendida recentemente na USP (Universidade de São Paulo)-a falta de participação dos pais na vida escolar dos filhos.
"Parte da responsabilidade é da escola porque não tem claro como quer que os pais participem. Mas os pais nem sempre têm claro como educar os filhos", diz o psicólogo Leonardo de Perwin e Fraiman, autor da dissertação -trabalho que se baseia em sua experiência como orientador no colégio Renascença, em São Paulo.
A mudança do modelo de família (mães que trabalham fora, pais que se separam e se casam novamente, etc) explica parte do problema, mas não é tudo. "Quem tem filho na adolescência hoje nega a educação que recebeu dos pais. O problema é que, ao negar, quebra a relação entre direito e dever. A sensação de abandono aparece na adolescência, mas é consequência de um processo que começa na infância", diz a psicoterapeuta Lisandre Castello Branco.
Atualmente, diz Lisandre, os direitos prevalecem sobre os deveres e os pais assumem o papel de "provedores de felicidade" em vez de atuar como pais. "Criança é criança. Não dá para confundir com adulto. Pai não é um amiguinho do filho, mas figura de autoridade. Tem de colocar limite."
Notas baixas, falta de capacidade de concentração e indisciplina podem ser algumas das consequências da ausência de limites. "O adolescente vai mal na escola porque não está acostumado desde criança a ser cobrado por seus resultados", diz Içami Tiba, psiquiatra de jovens há 30 anos.
Diante do problema, os pais acabam reforçando a atuação como "provedores de felicidade" buscando soluções que nem sempre são as mais adequadas.
"Os pais vêem as notas ruins e mandam os filhos para ter aula particular. Mas na testagem que fazemos percebemos que os problemas são mais profundos", diz Marisa Tamashiro, que há dez anos tem uma escola de aulas particulares.
Se os adolescentes reclamam da distância dos pais, estes, por sua vez, dizem estar preocupados em garantir o espaço dos filhos.
"Trabalho muito. Por isso tento criar um referencial para manter a coesão familiar e o espaço de liberdade de cada um. Acho que tem funcionado", diz A.V.B., pai de J.V.B., que preferiu não ter a identidade revelada, .
Embora a intenção seja boa, a atitude pode revelar falta de orientação dos pais. "Nas palestras das escolas, os pais me enchem de perguntas. Eles estão perdidos", diz a psicóloga Rosely Sayão.
A saída pode estar numa definição mais clara dos parâmetros de educação. "Muitos pais têm a sensação de que não têm como remar contra a maré e deixam os filhos fazer o que querem. Isso é um erro."



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