São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

Texto Anterior | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN
Rede lixo de televisão

No domingo passado, às 18h, a TV Manchete colocou no ar um debate sobre a "paixão" do brasileiro pela "bunda" -o programa veio travestido de jornalismo.
Ao final, o telespectador assistiu a um striptease masculino, desses de cabaré, onde a entrada costuma ser proibida para menores de 18 anos.
Striptease ao cair da tarde é apenas mais um exemplo da crescente apelação das TVs abertas na luta por audiência.


Dia após dia são ultrapassados os limites do bom senso, num país em que a sociedade é desarticulada para enquadrar as TVs e o governo, especialmente num ano eleitoral, acuado diante de empresários tão poderosos.
Sexo, violência, exploração da miséria vão tornando parecidas as grandes emissoras.
Há, porém, uma ótima notícia -uma revolta silenciosa.


Pesquisas realizadas por agências de publicidade estão detectando crescente ojeriza da opinião pública com a baixaria televisiva.
Os brasileiros de maior poder aquisitivo, capazes de adquirir TV por assinatura, começam a virar as costas, trocando os canais; sentem-se esteticamente ofendidos.
A imagem da TV aberta está se associando cada vez mais à coisa de gente deseducada, grosseira, sem qualquer refinamento. Programas de melhor nível são hoje ilhas de excelência em extinção.
Chique (e com razão) é ligar na TV Futura, Senac, Universitária, MTV, Discovery, ESPN, ou os filmes sem a interrupção de propagandas.
A exceção fica por conta da TV Cultura, onde são produzidos alguns dos mais maravilhosos programas infantis do planeta.


Num levantamento nacional, a Propeg constatou que 88% dos pais acham que deveriam controlar a programação assistida pelos filhos.
Cerca de 85%, segundo a pesquisa, afirmam que as telas mostram excesso de sexo, violência e "mundo cão".
A reação dos mais jovens diante da baixaria também aparece nas pesquisas.
Em maio deste ano, a CPM entrevistou 4.358 pessoas de 14 a 20 anos. A pesquisa preferiu coletar majoritariamente a opinião de estudantes das escolas particulares -69% , portanto, da classe A e 22% da B.
Traduzindo: o pessoal que, em pouco, tempo vai estar comandando o país, seja nas empresas, faculdades ou governos.


É devastadora a baixa credibilidade da TV aberta nessa faixa etária de elite.
Diante da frase "A TV mostra coisas que não são verdadeiras só para a gente consumir mais", 79% concordaram.
Para cerca de 70%, deveriam existir mais programas educativos, e há muita exploração de sexo; 55% reclamam do excesso de violência.


Eles usam a televisão, em primeiro lugar, para assistir filmes (92%); em seguida, saber das notícias.
Os dois programas de entrevistas preferidos, ambos praticamente empatados ( 75%), são "Jô Soares Onze e Meia" e "Progama Livre", em que se encontram, frequentemente, temas relevantes de reflexão.


A rebeldia é movida por um dos fatos políticos mais importantes (e menos analisados) no Brasil; um fato que vai quebrar estruturas de poder.
O país está passando por uma explosão educacional, apesar de todas as conhecidas carências.
A matrícula das universidades crescem sem parar. Temos, hoje, 7 milhões de estudantes no segundo grau, o que significa o desenvolvimento de uma massa crítica; crescimento de 5% ao ano. Ou seja, mais 600 mil pessoas.
É gente que tende a sofisticar seus gostos, ir a museus, teatros, filmes de qualidade, literatura. Combina com Ratinho?


Refinamento estético é uma consequência direta da elevação do nível educacional da população.
Até que ponto um anunciante vai querer associar sua marca com o lixo televisivo?
Evidente que tanto publicitários como os responsáveis de marketing das emissoras dormem (ou perdem o sono) com essa pergunta.


PS - A Associação Americana de Psiquiatria acaba de divulgar pesquisa realizada num pronto-socorro, mostrando que a TV aumenta o risco de acidentes nas crianças.
O que pode parece uma relação exótica, foi comprovada depois de dois anos de investigação num hospital psiquiátrico.
Muitos filmes e desenhos animados mostram cenas de violência ou de situações de risco, nas quais os personagens não se machucam. Isso influencia algumas crianças, diante de fatos reais, a tomar menos cautela e a se acidentar.
Moral da história, segundo os pesquisadores: muitas vezes, ficar trancado em casa, vendo televisão, pode ser mais perigoso do que praticar esporte.
Um resumo dessa investigação, com os devidos links eletrônicos, pode ser encontrado no endereço do Projeto Aprendiz (www.aprendiz.com.br).


E-mail: gdimen@uol.com.br


Texto Anterior | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.