|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
STF enquanto órgão político
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
O STF (Supremo Tribunal Federal) foi acusado, durante a semana, de ter adotado decisão
política na questão dos descontos em vencimentos pagos aos
inativos. O presidente Carlos
Velloso recebeu acusações
iguais. Uso o verbo acusar e o
substantivo acusação de propósito, pelo sentido crítico que
contêm e pelo consequente destaque dado pela mídia.
Cartas publicadas nesta Folha
mostraram a participação dos
leitores no debate. Também
aponto matizes políticos na resolução do STF, mas faço uma
ressalva: o tribunal é Judiciário,
mas é também órgão político,
por definição extraída do artigo
102 da Constituição. Nem que
seus ministros quisessem ser estritamente juristas, não o conseguiriam.
O constituinte de 1988 escreveu a abertura do artigo 102 da
Carta Magna com as seguintes
palavras: "compete ao Supremo
Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição".
Em seguida estão relacionadas
as funções da Corte, em cujo rol
se incluem, por exemplo, o julgamento do presidente da República e dos membros do Congresso Nacional nas infrações
penais comuns e o habeas corpus, sendo paciente qualquer
dessas pessoas.
Pretender que julgamento do
presidente da República envolva apenas discussão jurídica,
sem a conotação política, será
pura ingenuidade.
Todavia o exemplo é apenas
ilustrativo. A grande conotação
política está no advérbio de modo precipuamente, do artigo
102. Vem do adjetivo precípuo,
que o dicionário refere como sinônimo de essencial, principal.
Assim sendo, a principal missão do STF consiste em guardara Constituição, em cumprir o
dever de a preservar, de a defender, de estar atento, vigilante,
para impedir a ação de eventuais ofensores.
O espectro resultante dessa
missão constitucional é extenso.
Entra tão densamente nas relações entre Estado e cidadania,
no permanente contato dos entes autônomos, componentes
da Federação em relações funcionais, operacionais e técnicas,
que parece absurdo ao operário
do direito imaginar que a Suprema Corte cumpra a tarefa
sem envolvimento político.
Tudo bem, dirá o leitor. O envolvimento é admissível, em
termos altos, de definição quase
filosófica. E concluirá que o envolvimento é incabível quando
o Supremo, por exemplo, torpedear, sem justa causa, medida
que o Executivo considere fundamental.
A linha que distinguiria o que
tem apelo político do que não
tem é muito tênue. Qualquer
pronunciamento do STF alcança repercussão que transcende
dos limites do direito.
Há muitos anos, suscitada
questão da mesma espécie, emiti a opinião de que o ministro do
Supremo Tribunal Federal é,
enquanto magistrado, mais que
escravo da lei.
É estadista, ou seja, atuador do
direito, com interferência nos
canais políticos e administrativos da nação. Aos quais dedica
atenção, voltado para os superiores interesses da sociedade.
Se não for, deveria sê-lo.
Dizer que a decisão do Supremo, na questão dos proventos
de inativos, foi isoladamente
política está errado, porque, paradoxalmente, tudo o que o tribunal julga produz resultado
político.
A sociedade tem o direito de
criticar a orientação da mais alta
corte do país e até supor que haja decisões consequentes de interesses menos sérios.
A história do Supremo mostra
o oposto, tornando inaceitável
que seus ministros decidam coletivamente, com desprezo pela
nobreza de sua missão constitucional. Esse temor o povo não
precisa ter.
Texto Anterior: Três menores roubam casa de ex-procurador Próximo Texto: Saúde: Serra ameaça denunciar laboratórios Índice
|