São Paulo, Sábado, 09 de Outubro de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

STF enquanto órgão político

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

O STF (Supremo Tribunal Federal) foi acusado, durante a semana, de ter adotado decisão política na questão dos descontos em vencimentos pagos aos inativos. O presidente Carlos Velloso recebeu acusações iguais. Uso o verbo acusar e o substantivo acusação de propósito, pelo sentido crítico que contêm e pelo consequente destaque dado pela mídia.
Cartas publicadas nesta Folha mostraram a participação dos leitores no debate. Também aponto matizes políticos na resolução do STF, mas faço uma ressalva: o tribunal é Judiciário, mas é também órgão político, por definição extraída do artigo 102 da Constituição. Nem que seus ministros quisessem ser estritamente juristas, não o conseguiriam.
O constituinte de 1988 escreveu a abertura do artigo 102 da Carta Magna com as seguintes palavras: "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". Em seguida estão relacionadas as funções da Corte, em cujo rol se incluem, por exemplo, o julgamento do presidente da República e dos membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns e o habeas corpus, sendo paciente qualquer dessas pessoas.
Pretender que julgamento do presidente da República envolva apenas discussão jurídica, sem a conotação política, será pura ingenuidade.
Todavia o exemplo é apenas ilustrativo. A grande conotação política está no advérbio de modo precipuamente, do artigo 102. Vem do adjetivo precípuo, que o dicionário refere como sinônimo de essencial, principal.
Assim sendo, a principal missão do STF consiste em guardara Constituição, em cumprir o dever de a preservar, de a defender, de estar atento, vigilante, para impedir a ação de eventuais ofensores.
O espectro resultante dessa missão constitucional é extenso. Entra tão densamente nas relações entre Estado e cidadania, no permanente contato dos entes autônomos, componentes da Federação em relações funcionais, operacionais e técnicas, que parece absurdo ao operário do direito imaginar que a Suprema Corte cumpra a tarefa sem envolvimento político.
Tudo bem, dirá o leitor. O envolvimento é admissível, em termos altos, de definição quase filosófica. E concluirá que o envolvimento é incabível quando o Supremo, por exemplo, torpedear, sem justa causa, medida que o Executivo considere fundamental.
A linha que distinguiria o que tem apelo político do que não tem é muito tênue. Qualquer pronunciamento do STF alcança repercussão que transcende dos limites do direito.
Há muitos anos, suscitada questão da mesma espécie, emiti a opinião de que o ministro do Supremo Tribunal Federal é, enquanto magistrado, mais que escravo da lei.
É estadista, ou seja, atuador do direito, com interferência nos canais políticos e administrativos da nação. Aos quais dedica atenção, voltado para os superiores interesses da sociedade. Se não for, deveria sê-lo.
Dizer que a decisão do Supremo, na questão dos proventos de inativos, foi isoladamente política está errado, porque, paradoxalmente, tudo o que o tribunal julga produz resultado político.
A sociedade tem o direito de criticar a orientação da mais alta corte do país e até supor que haja decisões consequentes de interesses menos sérios.
A história do Supremo mostra o oposto, tornando inaceitável que seus ministros decidam coletivamente, com desprezo pela nobreza de sua missão constitucional. Esse temor o povo não precisa ter.


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