São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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URBANIDADE
FHC, o sem-garagem

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Aos 75 anos, o advogado João Uchôa Borges frequenta assiduamente o Automóvel Clube de São Paulo, do qual é presidente há 18 anos -e está prestes a ser desalojado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Localizado no edifício Esplanada, com vista para o vale do Anhangabaú e para os jardins do Teatro Municipal, aquele clube já promoveu algumas das festas mais disputadas pela elite paulista, chegou a ter 1.600 sócios, rigorosamente escolhidos, e foi o símbolo de uma cidade que se imaginava européia.
Dali se assessoraram prefeitos para adaptar o automóvel a São Paulo, cidade então alardeada como a "locomotiva do Brasil" ou como "a cidade que mais cresce na América Latina". A chegada do automóvel era a própria chegada do futuro.
João Uchôa viu os bailes desaparecerem; na memória, ficaram as corridas -as primeiras da América Latina- organizadas pelo clube, o salão de jogos reservados apenas para os homens, as conversas em francês. Dos 1.600 sócios sobraram apenas 100, todos movidos pela nostalgia. "Era um verdadeiro clube social, inspirado no modelo francês", recorda. Os filhos da elite tinham a França como principal referência cultural e acadêmica.
Daqui a alguns meses, Fernando Henrique Cardoso vai trocar de Esplanada: deixará a ministerial e irá para o edifício Esplanada, instalando-se no andar ocupado pelo clube. "Quando esteve aqui, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que ficaria mais dez anos e que traria toda a sua biblioteca."
Os defensores da revitalização do centro estão felizes, mas Uchôa está triste. Com a chegada do novo inquilino, o Automóvel Clube, sem condições de ir para outro lugar, fecha as suas portas: os seus cem sócios não conseguem pagar as contas de uma nova sede. Não será poupado nem mesmo o restaurante, que, embora esteja em seus últimos dias, ainda mantém o rigor dos velhos tempos. "Quem não está de gravata e paletó não entra."
Fernando Henrique Cardoso vai ter se de acostumar aos hábitos do passado. Uma das ironias é que não fizeram garagem no prédio que iria abrigar o Automóvel Clube -até porque, antigamente, a elite não se incomodava de andar a pé pelo centro da cidade. Dali, apesar de negar, ele vai avaliar se, em seu futuro, cabe a volta à Esplanada de Brasília.


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