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PASQUALE CIPRO NETO
"Quando você jurava que o nosso amor não morreria"
Na última segunda-feira,
ouvi um pouco do novo (e
belo) disco de Francis Hime.
Maestro e arranjador, Francis é
co-autor de muitas obras-primas
da música brasileira ("Atrás da
Porta", "Vai Passar", "Minha"
etc., etc., etc.). No disco, há uma
parceria de Francis com Paulinho
da Viola ("Choro Incontido"). Na
letra (de Paulinho), lê-se este trecho: "...meu abrigo / Onde guardo
um sentimento / Para lembrar de
um tempo / Que não vivemos
mais / Quando você jurava / Que
o nosso amor não morreria".
Belo mote para discutirmos o
emprego da forma verbal "morreria", que, se me permite o leitor, é
do futuro do pretérito, noutrora
chamado de "condicional". No
verbete "condicional", aliás, o
"Aurélio" classifica de "desusado" o emprego de "condicional"
com o sentido de "futuro do pretérito". Será? Em termos oficiais,
sim, já que, em 1959, a NGB ("Nomenclatura Gramatical Brasileira") oficializou a denominação
"futuro do pretérito". Na prática,
porém, muita gente (sobretudo as
pessoas mais velhas) continua
chamando esse tempo pelo velho
nome de "condicional".
Pois bem, como se explica o nome do futuro do pretérito? Será
possível ao passado ter futuro? É
claro que sim! Vejamos isso no belo excerto de Paulinho da Viola.
Que se deduz em relação à vida
do "nosso amor"? Ele morreu ou
não morreu? Morreu, caro leitor
("um tempo que não vivemos
mais"). E morreu antes ou depois
dos juramentos? Depois, não?
Pois é aí que está o busílis: as juras de amor e a morte desse sentimento se dão no passado, mas
não concomitantemente. A morte
é posterior às juras de amor, ou
seja, o soçobro do amor é futuro
em relação às promessas de que
ele seria eterno. Pronto! Está aí o
tal futuro do pretérito, ou seja, futuro do passado, que, como vimos, expressa um fato futuro em
relação a um ponto do passado.
Como ocorre com qualquer
tempo verbal, o futuro do pretérito não é usado apenas com seu
valor específico. Na imprensa, é
comum seu emprego, por exemplo, quando não se tem certeza da
informação veiculada ("A polícia
localizou uma ossada que seria de
uma mulher"). Com "seria", deixa-se claro que não se sabe ao certo se a ossada é de uma mulher.
O problema é que muitas vezes
a imprensa exagera nisso e deixa
confuso o texto. Que quer dizer o
jornalista que escreve algo como
"Segundo a polícia, a ossada seria
de uma mulher"? Que a polícia
afirma que a ossada é de uma
mulher, mas que ele (jornalista)
não tem certeza disso? Ou que
nem a polícia tem certeza disso?
Talvez por excesso de zelo, o jornalista usa o futuro do pretérito
para se precaver de possíveis reviravoltas no caso. Não é preciso
chegar a tanto. Basta que a polícia de fato tenha dito que a ossada é de uma mulher para que o
jornalista possa escrever que, "segundo a polícia, a ossada é de
uma mulher".
Por fim, é mister citar "O Último Poema", de Manuel Bandeira: "Assim eu quereria o meu último poema / Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e
menos intencionais / Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas / Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume...". Note
que o Mestre emprega a forma
"quereria", do futuro do pretérito
de "querer", em correlação com
uma condição implícita ("Se fosse
possível, assim eu quereria o meu
último poema"). É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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