São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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MUITO ALÉM DOS JARDINS

Paulistanos trocam bairros de elite pela Barra Funda, com seus antigos galpões e a linha de trem

Jovens saem em busca do SoHo perdido

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Há um ano o produtor cultural Felipe Arruda, 25, deixou a casa da mãe, na Vila Nova Conceição, bairro de elite de São Paulo, para morar em um lugar distante (em todos os sentidos).
Decidiu que queria porque queria alugar um apartamento na Barra Funda, antiga área industrial de São Paulo.
Há dois meses, o músico Jonas Serodio, 24, fez o mesmo caminho. Trocou a badalada Vila Madalena (em Pinheiros, zona oeste da capital) por um prédio em um apartamento comercial no bairro, onde também abriu um bar.
Felipe e Jonas fazem parte de um grupo de paulistanos que acredita que a Barra Funda, com seus galpões desocupados, possa virar aquilo que os jovens de São Paulo há anos desejam que exista na cidade: uma espécie de SoHo nova-iorquino. Um bairro, antes abandonado, que foi ocupado por artistas e hoje é um dos mais caros da cidade.
Tanto Jonas como Felipe acreditam na Barra Funda e querem trazer mais pessoas para a vizinhança para que o bairro fique cheio de pessoas parecidas com eles. "Consegui convencer três amigos a morar no mesmo prédio que eu", comemora Felipe, que sempre sonhou em morar entre galpões abandonados e uma linha de trem. "Aqui tem uma atmosfera diferente, bem urbana e, ao mesmo tempo, ainda tem uma coisa de bairro, com crianças jogando bola na calçada."
Jonas também está tentando levar os amigos. "Quando descobri o prédio onde moro, falei para vários amigos. Espero que aqui vire um lugar onde várias pessoas legais morem", diz. Por enquanto, ele é o único morador de um prédio de três andares. Os outros imóveis são comerciais.
Quem decide trocar bairros considerados de elite em São Paulo pela região central ainda enfrenta olhares atravessados.
"As pessoas acham que eu sou louca por querer trocar o Sumaré [bairro de classe média] pela Barra Funda", diz a jornalista Karla Monteiro, 35, que já morou no bairro.
"Acho a Barra Funda mil vezes mais legal do que o Sumaré" Seu sonho é morar na Vila Ângela, um achado de 17 casas encravado no bairro de origem industrial.

Encrave
A atriz Carlota Joaquina, 40, mora na vila há dez anos. Nesse tempo, vê o lugar ser ocupado por pessoas também artistas como ela. Há uma lista, na mão dos moradores, de pessoas interessadas em alugar um sobrado por R$ 700- menos da metade do valor de uma casa parecida em um bairro como Pinheiros.
Segundo ela, todos os moradores têm um estilo de vida parecido. Na vila há um chefe de cozinha, artistas, sociólogos, massagista, publicitários e jornalistas. Como são todos amigos, os vizinhos organizam eventos culturais, como a Festa da Entrada da Primavera, que contou com a presença de cerca de 500 pessoas e de um grupo de percussão.
"Espero que novos lugares assim existam em São Paulo para que as pessoas possam viver tão bem como a gente", afirma Sérgio Almeida, 39, chefe de cozinha.
O movimento de ocupação de bairros semi-abandonados não é novidade no mundo. Isso acontece a toda hora em Nova York e até na vizinha Buenos Aires, que transformou o bairro Palermo em uma espécie de SoHo portenho.
Por aqui, a idéia de um bairro com aluguéis baratos e boas baladas já mora no imaginário paulistano há décadas, mas nunca virou exatamente realidade.
"Nos anos 70, houve a ocupação da Vila Madalena. Na década de 80, muita gente mudou para o centro da cidade, mas não agüentou e voltou para os bairros badalados", lembra o arquiteto Marco Donini. Quem voltou do centro, segundo ele, fez isso por "não conseguir se confrontar com a realidade de São Paulo".
"No centro, a miséria fica na sua cara. Nos bairros nobres, tudo fica mais escamoteado", diz. Marco acredita no potencial da Barra Funda. "Lá é um lugar que pode virar um bairro jovem. Existem vários prédios, casas e galpões que podem ser ocupados. O local é bem atendido pela rede de transportes e as avenidas são largas, é um lugar bem projetado", diz Donini.
Outro arquiteto, Marcelo Rosenbaum, concorda. "Acho que em São Paulo as pessoas são acomodadas. Ousar ocupar um espaço novo dá trabalho e não é todo mundo tem vontade de investir nisso. A Barra Funda é um lugar maravilhoso, com aquele cenário industrial, que teria tudo para ser um lugar bacana para jovens. Mas, mesmo assim, são poucos os que têm coragem para bancar tal empreitada", afirma.
De acordo com Marco Antônio Ramos de Almeida, superintendente-geral da Associação Viva o Centro, essas mudanças no perfil de moradores de bairros paulistanos acontece lentamente.
"Sentimos sim que há essa movimentação em direção à Barra Funda, o que é um movimento muito bem visto", diz.
Segundo ele, há em plano de reurbanização da região. "Tanto a Barra Funda como o Bom Retiro e o Brás [bairros com forte movimento comercial] são lugares com grandes potenciais para mudanças", diz ele.
De acordo com ele, em todos os lugares do mundo as regiões centrais das grandes cidades são ocupadas por pessoas solteiras, jovens ou novas famílias. "Em São Paulo há todo potencial para que isso também aconteça", diz. Se depender de Jonas, Felipe, Carlota e Karla, quem sabe...


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