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MUITO ALÉM DOS JARDINS
Paulistanos trocam bairros de elite pela Barra Funda, com seus antigos galpões e a linha de trem
Jovens saem em busca do SoHo perdido
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Há um ano o produtor cultural
Felipe Arruda, 25, deixou a casa
da mãe, na Vila Nova Conceição,
bairro de elite de São Paulo, para
morar em um lugar distante (em
todos os sentidos).
Decidiu que queria porque queria alugar um apartamento na
Barra Funda, antiga área industrial de São Paulo.
Há dois meses, o músico Jonas
Serodio, 24, fez o mesmo caminho. Trocou a badalada Vila Madalena (em Pinheiros, zona oeste
da capital) por um prédio em um
apartamento comercial no bairro,
onde também abriu um bar.
Felipe e Jonas fazem parte de
um grupo de paulistanos que
acredita que a Barra Funda, com
seus galpões desocupados, possa
virar aquilo que os jovens de São
Paulo há anos desejam que exista
na cidade: uma espécie de SoHo
nova-iorquino. Um bairro, antes
abandonado, que foi ocupado por
artistas e hoje é um dos mais caros
da cidade.
Tanto Jonas como Felipe acreditam na Barra Funda e querem
trazer mais pessoas para a vizinhança para que o bairro fique
cheio de pessoas parecidas com
eles. "Consegui convencer três
amigos a morar no mesmo prédio
que eu", comemora Felipe, que
sempre sonhou em morar entre
galpões abandonados e uma linha
de trem. "Aqui tem uma atmosfera diferente, bem urbana e, ao
mesmo tempo, ainda tem uma
coisa de bairro, com crianças jogando bola na calçada."
Jonas também está tentando levar os amigos. "Quando descobri
o prédio onde moro, falei para vários amigos. Espero que aqui vire
um lugar onde várias pessoas legais morem", diz. Por enquanto,
ele é o único morador de um prédio de três andares. Os outros
imóveis são comerciais.
Quem decide trocar bairros
considerados de elite em São Paulo pela região central ainda enfrenta olhares atravessados.
"As pessoas acham que eu sou
louca por querer trocar o Sumaré
[bairro de classe média] pela Barra Funda", diz a jornalista Karla
Monteiro, 35, que já morou no
bairro.
"Acho a Barra Funda mil vezes
mais legal do que o Sumaré" Seu
sonho é morar na Vila Ângela, um
achado de 17 casas encravado no
bairro de origem industrial.
Encrave
A atriz Carlota Joaquina, 40,
mora na vila há dez anos. Nesse
tempo, vê o lugar ser ocupado por
pessoas também artistas como
ela. Há uma lista, na mão dos moradores, de pessoas interessadas
em alugar um sobrado por R$
700- menos da metade do valor
de uma casa parecida em um bairro como Pinheiros.
Segundo ela, todos os moradores têm um estilo de vida parecido. Na vila há um chefe de cozinha, artistas, sociólogos, massagista, publicitários e jornalistas.
Como são todos amigos, os vizinhos organizam eventos culturais, como a Festa da Entrada da
Primavera, que contou com a presença de cerca de 500 pessoas e de
um grupo de percussão.
"Espero que novos lugares assim existam em São Paulo para
que as pessoas possam viver tão
bem como a gente", afirma Sérgio
Almeida, 39, chefe de cozinha.
O movimento de ocupação de
bairros semi-abandonados não é
novidade no mundo. Isso acontece a toda hora em Nova York e até
na vizinha Buenos Aires, que
transformou o bairro Palermo em
uma espécie de SoHo portenho.
Por aqui, a idéia de um bairro
com aluguéis baratos e boas baladas já mora no imaginário paulistano há décadas, mas nunca virou
exatamente realidade.
"Nos anos 70, houve a ocupação
da Vila Madalena. Na década de
80, muita gente mudou para o
centro da cidade, mas não agüentou e voltou para os bairros badalados", lembra o arquiteto Marco
Donini. Quem voltou do centro,
segundo ele, fez isso por "não
conseguir se confrontar com a
realidade de São Paulo".
"No centro, a miséria fica na sua
cara. Nos bairros nobres, tudo fica
mais escamoteado", diz. Marco
acredita no potencial da Barra
Funda. "Lá é um lugar que pode
virar um bairro jovem. Existem
vários prédios, casas e galpões
que podem ser ocupados. O local
é bem atendido pela rede de
transportes e as avenidas são largas, é um lugar bem projetado",
diz Donini.
Outro arquiteto, Marcelo Rosenbaum, concorda. "Acho que
em São Paulo as pessoas são acomodadas. Ousar ocupar um espaço novo dá trabalho e não é todo
mundo tem vontade de investir
nisso. A Barra Funda é um lugar
maravilhoso, com aquele cenário
industrial, que teria tudo para ser
um lugar bacana para jovens.
Mas, mesmo assim, são poucos os
que têm coragem para bancar tal
empreitada", afirma.
De acordo com Marco Antônio
Ramos de Almeida, superintendente-geral da Associação Viva o
Centro, essas mudanças no perfil
de moradores de bairros paulistanos acontece lentamente.
"Sentimos sim que há essa movimentação em direção à Barra
Funda, o que é um movimento
muito bem visto", diz.
Segundo ele, há em plano de
reurbanização da região. "Tanto a
Barra Funda como o Bom Retiro e
o Brás [bairros com forte movimento comercial] são lugares
com grandes potenciais para mudanças", diz ele.
De acordo com ele, em todos os
lugares do mundo as regiões centrais das grandes cidades são ocupadas por pessoas solteiras, jovens ou novas famílias. "Em São
Paulo há todo potencial para que
isso também aconteça", diz. Se
depender de Jonas, Felipe, Carlota
e Karla, quem sabe...
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