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URBANISMO
Conde de Sarzedas vira atacadista de produtos religiosos e integra circuito de ruas setoriais de programa da Prefeitura de SP
Atrás da Sé, lojas evangélicas dominam rua
SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A mais nova rua de comércio
segmentado a prosperar na cidade de São Paulo assiste ao milagre
da multiplicação de lojas sem vender produtos chineses ou roupas
baratas. Na rua Conde de Sarzedas, atrás da praça João Mendes
(centro), o que se vende no atacado são bíblias e artigos de inspiração evangélica dos mais variados.
A rua dos evangélicos é um dos
19 "clusters" da capital, segundo
levantamento feito pelo Instituto
Pólis para Empresa Municipal de
Urbanização (Emurb). "Cluster"
é uma espécie de nicho de mercado com endereço fixo. A maioria
atrai compradores ou usuários de
várias partes do país.
A prefeitura planeja criar um
circuito de compras para explorar
a vocação comercial do centro e
suas ruas segmentadas. O circuito
inclui transporte especial, hotelaria e organização dos camelôs, entre outros pontos. Esse é um dos
projetos do Programa de Reabilitação do Centro, que terá financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
No mapa dos "cluster", os distritos da Sé e da República são divididos em regiões e não apenas
com base nas ruas segmentadas.
Na Luz, por exemplo, há da Santa
Ifigênia dos eletroeletrônicos à
São Caetano das noivas.
Gêmeos de Cristo
Na rua Conde de Sarzedas, o visitante se sente numa espécie de
Grandes Galerias evangélica. Ao
invés de ouvir o heavy metal típico do conjunto comercial da rua
24 de Maio, ele ouvirá o pop evangélico de Cassiane, cantora campeã de vendas nas lojas do local.
Os primeiros estabelecimentos,
conta o comerciante e cantor
Marco Aurélio, 32, surgiram a reboque da Igreja Pentecostal Deus
é Amor, que fica no fim da Conde.
Atualmente, a denominação
evangélica constrói novo templo.
"Depois, a rua se consolidou,
era muito citada no rádio, e passou a atrair gente de tudo quanto
é lado. Hoje, poucos têm a ver
com a Deus é Amor", afirma.
Aurélio é dono de uma das quatro gravadoras com sede na rua. O
nome da empresa musical é Gêmeos de Cristo, o mesmo com o
qual Aurélio forma a dupla sertaneja evangélica com o irmão univitelino, Emílio Marcos. Com sete
CDs, o duo é um hit entre os consumidores ligados a esse segmento das igrejas protestantes.
Junto com os Gêmeos, a gravadora vende também CDs com testemunhos de curas sobrenaturais,
como o intitulado "O Milagre do
Cabelo". Esse narra a história de
uma menina careca cuja mãe fez
voto de não cortar mais o cabelo
da pequena caso ela viesse a tê-lo.
O resultado foi o crescimento de
longas madeixas, supostamente
capazes de curar quem as tocam.
Na Conde, é possível encontrar
produtos populares entre os
evangélicos, como os folhetos
com mensagem bíblica ilustrados
com fotografias de paisagens européias. Ramayana Carneiro Yohanã, 59, proprietário da Livraria
Apocalipse, já chegou a vender 5
milhões de folhetos/ano.
"Cresci aqui, criei meus filhos,
meus netos. Agora que a rua se
transformou em um centro atacadista, a concorrência ficou desleal.
Vejo chegar lojas montadas só para ganhar dinheiro. Os donos não
querem saber nada de Deus", diz.
Faça você mesmo
Outra gravadora e atacadista conhecida na rua é a Recanto dos
Evangélicos -ou RDE. "Aqui
vêm pessoas de todas as cidades
brasileiras por causa da facilidade
de encontrar tudo em um só lugar", conta Desuíta Dias da Silva,
48, proprietária do Recanto.
Esse tudo inclui uma lista inusitada. É possível praticamente
montar uma denominação evangélica com os produtos da Conde
de Sarzedas. Há de sacolinhas para recolher ofertas e toalhas de
renda para enfeitar o altar a gravatas coloridas, de R$ 1,50, para
compor o figurino do pastor.
"É o centro atacadista evangélico. Quem não tem a mesma fé não
conhece, mas em nosso meio é
muito difundido", diz Hélcio
Nascimento, 39, proprietário da
Lírio dos Vales, atacadista com
duas lojas na Conde de Sarzedas.
Para o arquiteto-urbanista Kazuo Nakano, do Pólis, que trabalhou ao lado de Raquel Rolnik na
pesquisa dos "clusters", o comércio segmentado do centro pode
estar ligado à própria tradição
cultural e étnica de São Paulo.
"Sendo uma cidade de imigrantes, São Paulo tem bairros que se
formaram a partir dos estrangeiros que se concentravam em determinados locais, como os árabes da 25 de Março", afirma.
Demografia
O mercado evangélico hoje é
composto de 26 milhões de pessoas, segundo Censo 2000. Eles
representam 15,45% da população brasileira (em 1991, eram 9%).
A Assembléia de Deus é a maior
igreja com um contingente de 8,1
milhões de fiéis, de acordo com o
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
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