|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Os que voltam não têm trabalho nem dinheiro, afirma socióloga
MARCELO BERABA
DA SUCURSAL DO RIO
Uma evidência de que a crise
nos EUA afetou a comunidade
de imigrantes brasileiros é a
constatação de que 40% dos
que estão retornando a Governador Valadares (MG) neste
fim de ano não eram trabalhadores ilegais. "É um dado que
assombra", diz a socióloga Sueli
Siqueira, professora da Univale
(Universidade do Vale do Rio
Doce). "Estão voltando porque
não está compensando ficar lá".
Outro dado que ela considera
"alarmante", colhido na pesquisa que faz desde novembro,
é que a maioria volta sem dinheiro ou perspectiva de trabalho. Siqueira é autora de "Migrantes e Empreendedorismo
na Microrregião de Governador Valadares: Sonhos e Frustrações no retorno" (Ed. Univale) e direcionará suas pesquisas para o novo fluxo de migrantes
mineiros à Europa, principalmente Portugal e Espanha.
FOLHA - É possível caracterizar como fenômeno a atual onda de retorno de brasileiros que viviam nos Estados Unidos?
SUELI SIQUEIRA - Sim. Este retorno começou com uma maior
fiscalização da imigração americana, principalmente a partir
dos atentados de 11 de setembro de 2001. Ele se tornou mais
efetivo este ano por causa da
crise da economia americana
que afetou diretamente o setor
da construção civil e todo o
mercado de trabalho secundário, onde a maior parte dos brasileiros trabalha.
Começa a não valer a pena
todo o sacrifício do projeto de
emigrar. Aqueles que não conseguiram documentação e não
conseguiram um emprego mais
estável começam a retornar.
FOLHA - Já é possível perceber em
Governador Valadares algum impacto deste retorno?
SIQUEIRA - Claro. Comecei no
mês passado uma pesquisa para saber por que as pessoas estão voltando. Os resultados
preliminares mostram que 5%
estão a passeio e viriam independentemente de qualquer
coisa, 10% já planejavam voltar
definitivamente e 85% estão
voltando porque as condições
de trabalho e ganho não compensam mais, pela insegurança
e pelo medo provocado pelo aumento da fiscalização.
Dos que estão voltando, 61%
são indocumentados [estavam
ilegais nos EUA] e 39% são documentados, o que é um dado
que me assombra. Mesmo tendo documentos eles estão voltando porque não está compensando ficar lá.
Mas o que me preocupa mais
é que, destes que estão voltando definitivamente, 82% não
têm nem idéia do que vão fazer
e de como vão viver no Brasil.
Há uma parcela pequena que
tem capital para investir, entre
US$ 20 mil e US$ 150 mil, mas
não sabe em quê nem como. A
grande maioria não tem dinheiro. Espera encontrar trabalho, mas não vai encontrar.
Esse é um dado alarmante.
FOLHA - O que poderá ocorrer?
SIQUEIRA - O retorno significa
redução da remessa de dólares.
Isso vai ter impacto no comércio, que é o centro da economia
local, e vai causar um impacto
muito grande na perspectiva da
cidade e da região, embora tenha aumentado o fluxo de emigrantes para a Europa. Isso significa que a remessa continuará existindo, mas com redução
na remessa de dólares e aumento na de euros enviados para os que estão indo para Portugal e Espanha, principalmente.
FOLHA - Como se explica esse grande fenômeno migratório em Governador Valadares?
SIQUEIRA - É um processo histórico. A cidade foi o ponto de
partida desta onda de emigração. Na década de 1960 alguns
bolsistas foram estudar nos Estados Unidos. Ao voltar, relataram como era fácil trabalhar lá
e ganhar dinheiro.
Os primeiros 17 emigrantes
foram, em 1963, por causa das
notícias dos estudantes e tinham vistos de trabalho. Eles
formaram redes que permitiram que cada um convidasse
outros, que convidaram outros
tantos. E se tornou tão fácil que
na década de 1980 era melhor ir
trabalhar na região de Nova
York e Boston do que em São
Paulo. Para Nova York, ele ligava para um amigo, que o recebia
no aeroporto e dois dias depois
estava trabalhando. Em São
Paulo, não tinha ninguém para
pegá-lo na rodoviária. O que
determinou o fluxo foi a formação das redes de migração.
Na década de 1980, cerca de
17,2% das residências de Valadares tinha pelo menos um familiar emigrado. Pesquisa que
fizemos em agosto indica que
52% dos domicílios tinham pelo menos uma pessoa nos EUA.
FOLHA - Eram trabalhadores sem
qualificação?
SIQUEIRA - Os primeiros emigrantes eram de classe média.
Mesmo na década de 1980, os
pobres não emigravam porque
o custo financeiro da emigração é alto e você precisa de informação para ter acesso. A
partir de 2000 é que começaram a ir pessoas mais pobres
para trabalhar para aqueles primeiros que emigraram.
FOLHA - Se eram de classe média,
por que emigravam?
SIQUEIRA - Porque não viam
perspectiva de manter seu padrão de vida ou subir na escala
social. E viam, nos EUA, a perspectiva de ganhar dinheiro, voltar, investir aqui e manter ou
melhorar o padrão de vida.
Texto Anterior: Em Goianápolis, "todos" conhecem alguém que voltou Próximo Texto: Frase Índice
|