São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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Os que voltam não têm trabalho nem dinheiro, afirma socióloga

MARCELO BERABA
DA SUCURSAL DO RIO

Uma evidência de que a crise nos EUA afetou a comunidade de imigrantes brasileiros é a constatação de que 40% dos que estão retornando a Governador Valadares (MG) neste fim de ano não eram trabalhadores ilegais. "É um dado que assombra", diz a socióloga Sueli Siqueira, professora da Univale (Universidade do Vale do Rio Doce). "Estão voltando porque não está compensando ficar lá".
Outro dado que ela considera "alarmante", colhido na pesquisa que faz desde novembro, é que a maioria volta sem dinheiro ou perspectiva de trabalho. Siqueira é autora de "Migrantes e Empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares: Sonhos e Frustrações no retorno" (Ed. Univale) e direcionará suas pesquisas para o novo fluxo de migrantes mineiros à Europa, principalmente Portugal e Espanha.

FOLHA - É possível caracterizar como fenômeno a atual onda de retorno de brasileiros que viviam nos Estados Unidos?
SUELI SIQUEIRA
- Sim. Este retorno começou com uma maior fiscalização da imigração americana, principalmente a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001. Ele se tornou mais efetivo este ano por causa da crise da economia americana que afetou diretamente o setor da construção civil e todo o mercado de trabalho secundário, onde a maior parte dos brasileiros trabalha.
Começa a não valer a pena todo o sacrifício do projeto de emigrar. Aqueles que não conseguiram documentação e não conseguiram um emprego mais estável começam a retornar.

FOLHA - Já é possível perceber em Governador Valadares algum impacto deste retorno?
SIQUEIRA
- Claro. Comecei no mês passado uma pesquisa para saber por que as pessoas estão voltando. Os resultados preliminares mostram que 5% estão a passeio e viriam independentemente de qualquer coisa, 10% já planejavam voltar definitivamente e 85% estão voltando porque as condições de trabalho e ganho não compensam mais, pela insegurança e pelo medo provocado pelo aumento da fiscalização.
Dos que estão voltando, 61% são indocumentados [estavam ilegais nos EUA] e 39% são documentados, o que é um dado que me assombra. Mesmo tendo documentos eles estão voltando porque não está compensando ficar lá. Mas o que me preocupa mais é que, destes que estão voltando definitivamente, 82% não têm nem idéia do que vão fazer e de como vão viver no Brasil.
Há uma parcela pequena que tem capital para investir, entre US$ 20 mil e US$ 150 mil, mas não sabe em quê nem como. A grande maioria não tem dinheiro. Espera encontrar trabalho, mas não vai encontrar. Esse é um dado alarmante.

FOLHA - O que poderá ocorrer?
SIQUEIRA
- O retorno significa redução da remessa de dólares. Isso vai ter impacto no comércio, que é o centro da economia local, e vai causar um impacto muito grande na perspectiva da cidade e da região, embora tenha aumentado o fluxo de emigrantes para a Europa. Isso significa que a remessa continuará existindo, mas com redução na remessa de dólares e aumento na de euros enviados para os que estão indo para Portugal e Espanha, principalmente.

FOLHA - Como se explica esse grande fenômeno migratório em Governador Valadares?
SIQUEIRA
- É um processo histórico. A cidade foi o ponto de partida desta onda de emigração. Na década de 1960 alguns bolsistas foram estudar nos Estados Unidos. Ao voltar, relataram como era fácil trabalhar lá e ganhar dinheiro.
Os primeiros 17 emigrantes foram, em 1963, por causa das notícias dos estudantes e tinham vistos de trabalho. Eles formaram redes que permitiram que cada um convidasse outros, que convidaram outros tantos. E se tornou tão fácil que na década de 1980 era melhor ir trabalhar na região de Nova York e Boston do que em São Paulo. Para Nova York, ele ligava para um amigo, que o recebia no aeroporto e dois dias depois estava trabalhando. Em São Paulo, não tinha ninguém para pegá-lo na rodoviária. O que determinou o fluxo foi a formação das redes de migração.
Na década de 1980, cerca de 17,2% das residências de Valadares tinha pelo menos um familiar emigrado. Pesquisa que fizemos em agosto indica que 52% dos domicílios tinham pelo menos uma pessoa nos EUA.

FOLHA - Eram trabalhadores sem qualificação?
SIQUEIRA
- Os primeiros emigrantes eram de classe média. Mesmo na década de 1980, os pobres não emigravam porque o custo financeiro da emigração é alto e você precisa de informação para ter acesso. A partir de 2000 é que começaram a ir pessoas mais pobres para trabalhar para aqueles primeiros que emigraram.

FOLHA - Se eram de classe média, por que emigravam?
SIQUEIRA
- Porque não viam perspectiva de manter seu padrão de vida ou subir na escala social. E viam, nos EUA, a perspectiva de ganhar dinheiro, voltar, investir aqui e manter ou melhorar o padrão de vida.


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