|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
"Dear general Powell, it is the reciprocity"
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A identificação imposta a cidadãos americanos ao chegarem ao Brasil, fotografados e tiradas suas impressões digitais (é "tocar piano", na
gíria policial), tem despertado
muita atenção na mídia. Até o secretário Powell reclamou. O Direito mostra, porém, que não há
razão para o escândalo. Muito
antes de a Constituição de 1988
ter incluído entre os princípios
dominantes de suas relações internacionais o da igualdade entre
países e o da cooperação entre povos para o bem da humanidade,
já predominava, como critério
desse relacionamento, o princípio
da reciprocidade, isto é, o Brasil
deve tratar os outros como eles
nos tratam.
Em 1988, o conceito foi reforçado em relação aos portugueses. A
exceção se explica pelo fato de que
este país gigante teve a criação
original de nossos irmãos lusos.
Diz o artigo 12 da Carta Magna,
em seu parágrafo 1º: "Aos portugueses com residência permanente no país, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão
atribuídos os direitos inerentes ao
brasileiro". A aplicação de tais
preceitos decorre do princípio da
soberania, isto é, o de decidir as
questões internas segundo suas
próprias leis, por seus próprios
juízes. Há nações que, sob inspiração de interesses econômicos ou
de força militar, aceitam o desequilíbrio do tratamento. Em nosso país, o presidente da República
que aceite tal desequilíbrio cometerá crime de responsabilidade
(artigo 85 e seu inciso VII da
Constituição).
Em matéria de relações internacionais, quanto ao acesso de estrangeiros, o atendimento recíproco é a regra. Há algum tempo,
a França passou a exigir visto de
entrada e permanência para brasileiros. O Brasil também criou a
exigência e desistiu dela quando
os franceses a dispensaram. Talvez muitos cidadãos dos Estados
Unidos não saibam que a reciprocidade também integra o sistema
legal americano-do-norte. David
Melinkoff, professor emérito de
direito na Universidade da Califórnia (Los Angeles), define "reciprocity" em seu "Dictionary of
American Legal Usage" (West
Publishing Co., 1992). Está nessa
obra, conforme o original, que a
reciprocidade se aplica "between
states of the United States or between nations: extending to the citizens of another state or nation
privileges or benefits which that
state or nation extends to our citizens". Em tradução livre: "Reciprocidade entre Estados dos Estados Unidos ou entre nações: estender a cidadãos de outro Estado ou nação privilégios ou benefícios que aquele Estado ou nação
estende a nossos cidadãos". Ou,
como resultado lógico, exclui cidadãos de tais privilégios ou
benefícios.
Os Estados Unidos, no uso legítimo de sua soberania, embora
sob argumentos que parecem absurdos ante nenhuma ameaça
dos brasileiros à nação amiga, excluíram da exigência de fotografia e de identificação digital cidadãos de quase três dezenas de países, mas não os nossos patrícios.
Fomos lançados na vala comum
dos que podem ameaçar o gigante
americano. Um juiz brasileiro
-pouco importante neste momento saber se processualmente
competente ou não- impôs a
mesma exigência a cidadãos estadunidenses chegados ao território
nacional. Nada mais justo. Quando o secretário de Estado estranhou, o ministro Celso Amorim,
no melhor estilo convivial moderno, deve ter dito: "General Powell,
it is the reciprocity, my dear
friend". Ou seja: "É a reciprocidade, meu caro amigo". Melhor que
isso só se o secretário de Estado se
dispuser a ler a lei. De lá e de cá.
Texto Anterior: Obras vão custar R$ 149 milhões Próximo Texto: Livros jurídicos Índice
|