São Paulo, quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cem policiais, fuzis e helicóptero escoltam quadros até o Masp

Operação da Polícia Civil foi montada para transferir, da sede do Deic para o museu, as obras de arte recuperadas

Evento, celebrado com espumante nacional, reuniu o secretário da Segurança, o delegado-geral e representantes do Masp

LAURA CAPRIGLIONE
EVANDRO SPINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O helicóptero preto da Polícia Civil dá um rasante sobre o Masp. Por um momento, parece que pretende atravessar o enorme vão livre do prédio. É o sinal. São 10h55 e os mais de cem policiais mobilizados para a operação de devolução dos quadros furtados começam a chegar ao museu fincado na avenida Paulista, vindos da sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). Descem de motocicletas, de camburões (a reportagem contou 20) e até de um caminhão militar -todos com as sirenes ligadas.
Vêm armados com fuzis, metralhadoras e pistolas, aparato que, garantem os policiais, visa a garantir a segurança de um caminhãozinho branco com a preciosa carga: os quadros "Retrato de Suzanne Bloch", de Pablo Picasso (1881-1973) e "O Lavrador de Café", de Candido Portinari (1903-1962).
Às 11h em ponto, sob aplausos, a carga sai do caminhão climatizado a 20C. Decepção geral: vem fechada em pacotões de papelão e entra no museu.
Um clone de Bob Marley, vendedor de artesanato, pede aos gritos para abrir os embrulhos, mas é dissuadido de mais protestos por um armário do GER (Grupo Especial de Resgate da Polícia Civil), vestido com camiseta preta justa e calça verde-militar. O fortão pede silêncio, o magrinho rasta obedece.

Musculatura
Tinha a turma do GER e a turma do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos), todos de preto, também fortões. Era a elite da polícia exibindo sua musculatura.
Logo depois, o auditório do Masp foi aberto para a assinatura pública do auto de devolução das peças ao museu. Do lado direito do palco, em cavaletes, as obras roubadas, iluminadas por um feixe de luz fortíssima. Ocupando o restante do espaço, mais de 30 pessoas -conselheiros do museu, o presidente da instituição (arquiteto Julio Neves), o secretário da Segurança Pública (Ronaldo Marzagão), o delegado-geral (Maurício Freire), membros do GER, delegados, fuzis, pistolas e metralhadoras.
Marzagão, o primeiro a discursar, chamou o evento de "singela cerimônia". Neves, que o secundou, disse que a segurança do museu está sendo modernizada graças a doações de empresas, garantiu que cumprirá seu mandato até o fim (em outubro), mas que não pretende se recandidatar, e que a situação financeira do museu está equacionada.
"É lamentável, às vezes, que precise ocorrer uma tragédia como essa [refere-se ao furto] para a gente receber apoio, inclusive financeiro", afirmou.
Um grupo de conselheiros ouvidos pela Folha confirmou a informação. Segundo eles, a dívida do museu é de cerca de R$ 10 milhões. Outros R$ 4 milhões, devidos ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), estão sendo contestados.
O museu já conseguiu captar cerca de R$ 4 milhões de um total de R$ 8 milhões autorizados em novembro pelo Ministério da Cultura dentro da política de benefícios fiscais. E ainda há R$ 10 milhões que devem ser destinados pelo governo federal à instituição. Ou seja, o museu está capitalizado e deve isso principalmente ao furto das duas telas. O fato chamou a atenção para a crise no Masp, que acabou recebendo apoios.
"Deus escreve certo por linhas tortas", filosofou o presidente, que chamou o secretário da Segurança para um brinde comemorativo no saguão ao lado. Servidos espumante nacional Chandon e petit fours, deu-se um viva à polícia, que retribuiu levantando as taças. Eram 12h. As telas continuaram no auditório, guardadas por três homens de terno.
Segurança afrouxada, a turma de curiosos aproveitou para subir ao palco e tirar fotos ao lado das obras. Eunice Sophia, coordenadora do acervo do Masp, observava a movimentação, preocupada. Ela foi uma das técnicas chamadas no final da noite de terça ao Deic para verificar o estado do Picasso e do Portinari resgatados.
O Masp será reaberto amanhã, já com as duas telas de novo em exposição. Sophia propôs a Julio Neves que sigam no mesmo local de antes do furto, no segundo andar. "Nós nem tiramos as ferragens de apoio, estão lá esperando o retorno desses filhos queridos."


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Para profissionais do museu, telas voltaram intactas por um "milagre"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.