São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2001

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RIO

Supermercado constata edição em imagens de mulheres que teriam sido entregues a traficantes; preso aponta suposto acordo

Carrefour demite seis por fraude em fita

PEDRO DANTAS
DA SUCURSAL DO RIO

A Administração Central do Carrefour constatou que houve adulteração nas fitas do sistema interno de vídeo da filial do supermercado em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, que registraram cenas de duas mulheres furtando frascos de protetor solar no dia 27 de janeiro.
Por causa da fraude, o Carrefour anunciou ontem a demissão de seis funcionários da filial. A direção do supermercado contratou uma perícia própria para a análise das cenas gravadas, que atestou a edição das fitas.
""Elementos técnicos indiscutíveis apontam que houve uma edição da fita, além do descumprimento das normas da empresa", disse o perito Mauro Ricart.
Foram demitidos os fiscais de loja José Luís Ferreira e Flávio Augusto Grachet e o gerente de segurança Tadeu Pinto, que já estão presos, e também o gerente-geral Joaquim Antônio Almeida da Silva, o gerente de fiscalização de patrimônio Dalto Rodrigues de Andrade e o fiscal de loja José Marcelo da Silva Lisboa.
A principal fita apresentada pelo supermercado à polícia possui uma interrupção de 4 horas e 40 minutos. O hiato tem início no momento em que as desempregadas Andréa Cristina dos Santos, 30, e Geni Ribeiro Barbosa, 27, flagradas furtando frascos de filtro solar, estão na sala dos seguranças e tiram da bolsa a mercadoria.
Após a interrupção da fita, segundo Andréa e Geni disseram à polícia, o segurança José Luís Ferreira teria telefonado para uma mulher chamada Lolonga, que seria contato do traficante Telo, gerente do tráfico de drogas na Cidade de Deus, favela vizinha do supermercado.
Segundo o relato, um traficante chamado Quinho teria ido até o supermercado e levado Geni ao encontro de Telo na favela. Lá, ela teria sido espancada e amarrada a pneus que seriam incinerados. No depoimento, Geni disse que foi golpeada nas costas com paus e teve os dedos da mão espremidos com um alicate.
Exame feito pelo IML (Instituto Médico Legal) em Geni comprovou lesões nas costas, em uma vértebra lateral e nos dedos, provocada por objeto contundente.
Ela teria sido salva porque Andréa, que permaneceu no Carrefour, conseguiu fugir da sala dos seguranças, correu para a tabacaria e chamou a polícia. Preocupado com a chegada dos policiais, o segurança Flávio Augusto Grachet teria ido à Cidade de Deus pedir aos traficantes a libertação de Geni. Em depoimento à polícia, o dono da tabacaria, que pediu que seu nome fosse mantido em sigilo, confirmou o depoimento de Andréa.

Confirmação
O traficante da favela Cidade de Deus Ronald Alves de Almeida, 18, mais conhecido como Edredon, afirmou em depoimento à 41ª DP (Delegacia de Polícia) que existe um acordo entre o tráfico e a filial do Carrefour em Jacarepaguá para punir pessoas que pratiquem furtos no supermercado.
Segundo o traficante, o objetivo seria manter a polícia afastada das quatro bocas-de-fumo (local de venda de drogas) da favela. Edredon pertence à quadrilha do traficante Telo, acusado de liderar a sessão de tortura em Geni.

Outro lado
Procurada pela Folha, a Administração Central do Carrefour afirmou ontem ""desconhecer qualquer informação" sobre um suposto acordo entre a filial e traficantes.
Edredon, que não participou do espancamento de Geni, foi preso anteontem sob acusação de outro crime: o assassinato de Rômulo Alves dos Santos, soldado do 14º BPM (Bangu), que foi morto na entrada da favela ao ser reconhecido por um grupo de 30 traficantes. O corpo de Rômulo foi encontrado carbonizado dentro de um carro na entrada da favela.
Em depoimento ao delegado adjunto da 41ª DP, Orlando Zaccone, Edredon afirmou que o acordo para dar segurança a estabelecimentos comerciais não é restrito ao Carrefour, estendendo-se a outras lojas da área.
O traficante detalhou as punições. No caso de um furto considerado simples, a punição seria levar uma surra com paus e ter o cabelo raspado. No caso de furto ou roubo a moradores da favela, a punição poderia chegar a tiros nas mãos e expulsão.
Edredon confirmou à polícia que forasteiros que roubam o comércio local recebem "a pena de morte", como seria o caso de Andréa e Geni, que moram no bairro da Pavuna.
Como a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio negou habeas corpus aos fiscais de loja José Luiz de Alcântara e Flávio Augusto Grachet e ao gerente de segurança Tadeu Luís Mendonça Pinto, o advogado dos funcionários do Carrefour, Edson Ribeiro, entrou com novo pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça.



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