|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Entrei na Espanha e já consegui emprego"
Repórter da Folha teve de responder a uma só pergunta da imigração ("o que veio fazer aqui?") para entrar no país
Menos de 24 horas bastaram para conseguir um emprego de garçom na Espanha, ganhando cerca de 800 euros mensais (R$ 2.032)
ANDRÉ CARAMANTE
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Sem declarar o endereço do
lugar onde pretendia ficar hospedado e mesmo sem informar
se tinha um local para ficar,
sem preencher corretamente a
ficha de imigração exigida pela
Espanha para os estrangeiros
que tentam entrar em seu território, sem dizer quanto portava
em dinheiro e sem o obrigatório cartão de seguro de saúde
para turistas.
Foi dessa maneira, sem esclarecer todos os requisitos exigidos pela Espanha para liberar
a entrada de estrangeiros em
seu território, que a reportagem da Folha, sem se identificar como tal, entrou sábado no
país. Mais do que isso: conseguiu emprego em menos de 24
horas.
O desembarque ocorreu no
aeroporto internacional de Barajas, em Madri, por volta das
10h30 (6h30 no horário de
Brasília), no vôo JJ 8064, da
TAM, que deixou São Paulo
sexta-feira à noite.
Para conseguir o carimbo de
autorização de entrada na Espanha, bastou a reportagem
responder a uma única pergunta ao agente de "La Migra" espanhola que ocupava, no sábado, o guichê número sete da imigração em Barajas. "O que o
senhor veio fazer aqui?", foi a
dúvida do agente. "Turismo."
Mas as recentes denegações
de brasileiros em Barajas
-uma das principais portas de
entrada dos latino-americanos
que vão à Europa atualmente-
fizeram com que, por mais inusitado que pareça, o embarque
do vôo JJ-8064, no aeroporto
internacional de Cumbica, em
Guarulhos, fosse mais rigoroso
do que a chegada a Madri.
O risco de ser barrado em Barajas já era o assunto recorrente na fila de embarque quando
uma funcionária da TAM, ainda no check-in, tratava de alertar todos os que não sabiam das
exigências para entrada na Espanha e os conseqüentes riscos
de serem barrados em Barajas.
Foi assim com a reportagem:
"Lugar da hospedagem em Madri para a emissão do seu bilhete, senhor?", questionou a funcionária Shayane, da TAM.
"Não tenho lugar definido ainda, senhora." "Então, não vou
poder emitir sua passagem", foi
a volta dela, já balançando a cabeça. "Mas, quando comprei a
passagem, não me disseram
que não poderia viajar sem lugar definido para ficar. Já que é
assim, põe qualquer coisa aí."
"Então não tem bilhete, senhor, pois, sem o endereço no
destino declarado vai contra as
nossas normas", disse Shayane.
Ao ouvir o nome de uma rede
qualquer de hotéis, Shayane resolveu emitir o bilhete.
No A-330 da TAM, o assunto
ainda era o mesmo entre grande parte dos que tinham passaportes brasileiros: com o veto
aos sete espanhóis em Salvador, na quinta, todos faziam
pensamento positivo para não
ser a "bola da vez" e perder a
viagem a Madri por possíveis
retaliações em Barajas.
Descontração
Descontração só no início do
vôo, quando ainda era possível
ver as luzes da Grande São Paulo. "Senhores passageiros, por
determinação do governo da
Espanha, essa aeronave terá de
ser pulverizada, mas ressaltamos que os produtos são naturais", disse uma voz que partiu
da cabine e que, na seqüência,
foi motivo de risadas e piadas.
"Estão vendo só, o governo
espanhol não quer nem saber
do cheiro dos brasileiros", foi
uma das piadas ouvidas.
Para grande parte dos passageiros do JJ-8064, a passagem
pela imigração espanhola não
foi nada traumática na manhã
de anteontem, com exceção de
uma mulher com longos cabelos pretos, morena, com lentes
azuis, calça jeans apertada e
olhar de tensão permanente.
Antes de a reportagem passar
praticamente sem maiores explicações pelo guichê sete de
"La Migra", a mulher morena
foi separada pelo mesmo agente da cabine e mandada para
uma salinha do aeroporto. Minutos antes, um casal que falava espanhol alto e rápido foi retirado do guichê que atendia especialmente a fila de "La Migra" reservada para carimbar
passaportes dos cidadãos da comunidade européia. Foram levados a uma salinha -a mesma
para onde foi a brasileira de
lentes azuis. Aliás, os agentes
foram mais rigorosos com o casal do que com a morena.
Para ela, o agente do guichê
sete disse "vá para aquela sala e
sente-se até que alguém irá
conversar com você mais tranqüilamente". Para o casal de fala acelerada, um agente de "La
Migra", baixinho, bigodudo e
com jeito de ser o chefe do setor, falou: "Se vocês dois não
querem voltar daqui mesmo
para o lugar de onde saíram, fiquem calmos e respeitem as
leis da Espanha! Aqui tratamos
todos iguais". Na fila, se ouviu,
em português: "Será mesmo?"
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Fã de Robinho, agenciador espanhol promete emprego, mas exige comissão Índice
|