|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
Fraquezas do direito lento
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Freqüentemente me
perguntam por que o direito
não dá resposta para muitas das
questões (talvez a maioria) surgidas no mundo moderno. Começando por dizer que não sou tão
pessimista, tenho de reconhecer
que as leis e os regulamentos estão longe de acompanhar as muitas transformações pelas quais
passam as nações, os povos e as
sociedades modernas. É, assim,
verdade que os fenômenos sociais
nasceram e se desenvolveram sem
ser acompanhados pelo conjunto
das leis do Brasil, no que, aliás,
nosso país nem é melhor nem pior
do que qualquer outro.
O mais significativo dos fenômenos sociais a interferirem na
vida do direito foi demográfico: as
populações deslocaram-se do
campo para a cidade, dos pequenos municípios para os grandes,
dos mais pobres para os mais ricos. Acrescente-se a esse primeiro
fenômeno o das imigrações externas e o das migrações internas
para constatar que só essas mudanças seriam suficientes para alterar as relações da cidadania,
exigindo novos regulamentos habitacionais, ambientais, de tráfego e assim por diante.
A ciência, simultaneamente
com as deslocações humanas,
subverteu a antiga ordem jurídica. A transmissão da eletricidade
à distância deu o grande impulso
inicial, transferindo para a noite
grande número de atividades,
que passaram a ser reguladas por
leis especiais. As telecomunicações, do telefone à internet, permitiram o contato interpessoal à
distância, inserindo-se no mundo
negocial e nas relações orais. As
práticas médicas, os novos recursos em matéria de remédios, equipamentos, recomposições, transplantes facilitaram o prolongamento da vida, agravando problemas do idoso que antes, a rigor, não existiam. Tudo sob o impacto devastador da televisão,
que criou novos heróis, novos
símbolos humanos, gerando referenciais distantes da realidade
nacional sem meios jurídicos para serem limitados.
A segunda maior transformação referiu-se ao papel da mulher.
Ingressou no mercado de trabalho, passou a participar do financiamento das despesas familiares,
ampliou a possibilidade de sua
formação universitária, dispensou o nome do marido ao casar-se, ganhou a liberdade sexual,
distanciou-se dos trabalhos do lar
e da educação dos filhos e, por
fim, obteve a absoluta igualdade
jurídica em face do homem e, no
lar, em face do marido ou companheiro, em tudo tendo igual força
decisória.
As alterações no nível da realidade ético-religiosa foram imensas. A união do homem e da mulher não formalizada nem perante o juiz nem perante o ministro
religioso passou a ser socialmente
aceita. A pluralidade de "casamentos" de artistas e futebolistas
passou a ser considerada normal,
até engraçada, mas não imoral.
As liberdades com a moda foram
levadas ao extremo. Passou-se
das grandes saias rodadas, com
anáguas, combinações e saiotes
por baixo, ao vestido sobre a pele,
ao biquíni e à minissaia.
A Constituição continua preservando o que chama de "valores
éticos e sociais da pessoa e da família" sem que se saiba exatamente o que isso significa no Brasil heterogêneo. Sem que se saiba,
exatamente, quando o direito se
adequará ao seu papel de regulador das relações interpessoais e
das novidades nas quais
mergulhou.
O direito, verdade seja dita,
sempre andou a reboque das realidades sociais. Vez por outra, interagiu com elas, estimulando-as
ou as restringindo para evitar excessos. Nós, no meio do turbilhão,
temos de pagar o preço. Nada, em
curto prazo, nos tirará da confusão.
Texto Anterior: Bala perdida mata garoto na saída de forró Próximo Texto: Livros jurídicos Índice
|