São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 2006

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SAÚDE

Representantes de laboratórios circulam livremente por instituições de ensino; prática é legal, mas preocupa médicos

Hospital cobra pedágio de propagandista

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é difícil reconhecê-los entre as centenas de médicos e alunos de jaleco branco que circulam pelos corredores. De terno ou camisa social, mala repleta de amostras grátis ou folhetos, os propagandistas de medicamentos têm trânsito livre nos principais hospitais de ensino do país.
A prática é tão corriqueira que unidades chegaram a instituir uma taxa pela permanência dos profissionais de marketing, caso do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o maior da América Latina, que cobra R$ 10 dos representantes para fazer o cadastro do profissional. A ficha permite o trabalho em todos os dias úteis durante seis meses.
O HC também disponibiliza murais exclusivos para os anúncios médicos na maioria dos andares de prédio de ambulatórios. E até estimula o trabalho: exige uma presença dos propagandistas em 75% das visitas previamente agendadas -caso contrário, o representante pode sofrer até suspensão. O HC diz que cerca de 300 propagandistas autorizados atuam em suas instalações.
A circulação dos representantes não é ilegal, pois não há legislação específica sobre o assunto, mas é condenada pela Associação Brasileira de Educação Médica.
A entidade, de professores e alunos de medicina, recomendou em 2005 a proibição dos propagandistas nos hospitais por considerar que podem causar influências indevidas na prescrição médica e por relatos de que até estudantes de graduação são assediados.
A Abem também repudiou os docentes "que permitem a presença de representantes de interesses econômicos conflitantes aos da população brasileira".
"Chegamos ao ponto de ter notícias de que alguns estavam dando aula de terapêutica a estudantes. Não somos contra a propaganda, mas médicos em formação estão mais sujeitos à informação unilateral, não têm os conceitos, a vivência para a seleção das informações", afirmou Maria do Patrocínio Tenório Nunes, coordenadora da comissão de residência médica da Abem.
A própria Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, a que o Hospital das Clínicas está subordinado, apóia a recomendação feita aos hospitais de ensino.
"Uma instituição formadora, pública, não pode ter atitude como essa. É uma questão de ética", diz o coordenador-executivo da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos, José de Alcântara Bonfim, que se surpreendeu com as regras do HC. Segundo ele, estudos mostram que a presença de propagandistas gera o uso de fármacos mais novos e, conseqüentemente, mais caros.
Ainda de acordo com Bonfim, pesquisas mostram que, após seis meses da propaganda, os remédios mais lembrados são os levados pelos propagandistas.
O Hospital das Clínicas informou que adota um guia para padronizar as prescrições que coibiria os efeitos da propaganda sobre o hospital -mas o próprio guia traz anúncios da indústria.
"Mesmo com a padronização, uma instituição tem de se resguardar de qualquer possibilidade de que seu trabalho seja afetado", diz Bonfim.
Para a Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica, "a troca de informações entre laboratório e médicos é legítima, necessária e útil para médicos e pacientes".
A ginecologista Arlete Gianfaldoni, assistente-doutora no Hospital das Clínicas, diz que a abordagem dos propagandistas não muda sua opinião. "Pesquiso, tenho minha experiência. Quando o lançamento chega, já estudei."
Segundo Ulisses Fagundes, diretor administrativo do Hospital São Paulo, maior hospital de ensino federal do país e unidade que também permite a entrada dos propagandistas, "a pressão é muito mais para a atuação fora do hospital do que aqui dentro".
A administração do São Paulo explica que há pelo menos 69 profissionais cadastrados, mas muitos outros circulam pelo complexo. O hospital instituirá uma taxa para controlar os representantes, disse Fagundes. O diretor afirma que não há respaldo legal para proibir a atividade na unidade.
"O propagandista quer fidelizar a marca. Essa é a proposta, principalmente porque aqui estamos formando prescritores", afirma Carla Castanha, gerente de suprimentos farmacêuticos do Hospital São Paulo, cuja principal preocupação é instalar um sistema de controle das amostras grátis, que podem ser afetadas por más condições de armazenamento.
Gustavo Arruda, do centro acadêmico da Faculdade de Medicina da USP, diz que o assédio preocupa. "Boa parte dos residentes faz atualização por meio dos representantes da indústria."


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