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SAÚDE
Representantes de laboratórios circulam livremente por instituições de ensino; prática é legal, mas preocupa médicos
Hospital cobra pedágio de propagandista
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é difícil reconhecê-los entre
as centenas de médicos e alunos
de jaleco branco que circulam pelos corredores. De terno ou camisa social, mala repleta de amostras grátis ou folhetos, os propagandistas de medicamentos têm
trânsito livre nos principais hospitais de ensino do país.
A prática é tão corriqueira que
unidades chegaram a instituir
uma taxa pela permanência dos
profissionais de marketing, caso
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o maior da América Latina, que cobra R$ 10 dos
representantes para fazer o cadastro do profissional. A ficha permite o trabalho em todos os dias
úteis durante seis meses.
O HC também disponibiliza
murais exclusivos para os anúncios médicos na maioria dos andares de prédio de ambulatórios.
E até estimula o trabalho: exige
uma presença dos propagandistas em 75% das visitas previamente agendadas -caso contrário, o
representante pode sofrer até suspensão. O HC diz que cerca de 300
propagandistas autorizados
atuam em suas instalações.
A circulação dos representantes
não é ilegal, pois não há legislação
específica sobre o assunto, mas é
condenada pela Associação Brasileira de Educação Médica.
A entidade, de professores e alunos de medicina, recomendou em
2005 a proibição dos propagandistas nos hospitais por considerar que podem causar influências
indevidas na prescrição médica e
por relatos de que até estudantes
de graduação são assediados.
A Abem também repudiou os
docentes "que permitem a presença de representantes de interesses econômicos conflitantes
aos da população brasileira".
"Chegamos ao ponto de ter notícias de que alguns estavam dando aula de terapêutica a estudantes. Não somos contra a propaganda, mas médicos em formação estão mais sujeitos à informação unilateral, não têm os conceitos, a vivência para a seleção das
informações", afirmou Maria do
Patrocínio Tenório Nunes, coordenadora da comissão de residência médica da Abem.
A própria Secretaria de Estado
da Saúde de São Paulo, a que o
Hospital das Clínicas está subordinado, apóia a recomendação
feita aos hospitais de ensino.
"Uma instituição formadora,
pública, não pode ter atitude como essa. É uma questão de ética",
diz o coordenador-executivo da
Sociedade Brasileira de Vigilância
de Medicamentos, José de Alcântara Bonfim, que se surpreendeu
com as regras do HC. Segundo
ele, estudos mostram que a presença de propagandistas gera o
uso de fármacos mais novos e,
conseqüentemente, mais caros.
Ainda de acordo com Bonfim,
pesquisas mostram que, após seis
meses da propaganda, os remédios mais lembrados são os levados pelos propagandistas.
O Hospital das Clínicas informou que adota um guia para padronizar as prescrições que coibiria os efeitos da propaganda sobre
o hospital -mas o próprio guia
traz anúncios da indústria.
"Mesmo com a padronização,
uma instituição tem de se resguardar de qualquer possibilidade de que seu trabalho seja afetado", diz Bonfim.
Para a Federação Brasileira da
Indústria Farmacêutica, "a troca
de informações entre laboratório
e médicos é legítima, necessária e
útil para médicos e pacientes".
A ginecologista Arlete Gianfaldoni, assistente-doutora no Hospital das Clínicas, diz que a abordagem dos propagandistas não
muda sua opinião. "Pesquiso, tenho minha experiência. Quando
o lançamento chega, já estudei."
Segundo Ulisses Fagundes, diretor administrativo do Hospital
São Paulo, maior hospital de ensino federal do país e unidade que
também permite a entrada dos
propagandistas, "a pressão é muito mais para a atuação fora do
hospital do que aqui dentro".
A administração do São Paulo
explica que há pelo menos 69 profissionais cadastrados, mas muitos outros circulam pelo complexo. O hospital instituirá uma taxa
para controlar os representantes,
disse Fagundes. O diretor afirma
que não há respaldo legal para
proibir a atividade na unidade.
"O propagandista quer fidelizar
a marca. Essa é a proposta, principalmente porque aqui estamos
formando prescritores", afirma
Carla Castanha, gerente de suprimentos farmacêuticos do Hospital São Paulo, cuja principal preocupação é instalar um sistema de
controle das amostras grátis, que
podem ser afetadas por más condições de armazenamento.
Gustavo Arruda, do centro acadêmico da Faculdade de Medicina da USP, diz que o assédio preocupa. "Boa parte dos residentes
faz atualização por meio dos representantes da indústria."
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