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São Paulo, sábado, 10 de maio de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

A hediondez dos crimes e suas penas

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Não há como restringir, em coluna dedicada aos assuntos jurídicos, a reiteração das referências à criminalidade e aos efeitos perversos sobre a cidadania. A transformação tumultuária da vida urbana foi grande e as mudanças drásticas tornaram difícil diagnosticar o fenômeno da violência e situar meios para a corrigir. Corrigir sobretudo uma de suas conseqüências mais perversas, a do agravamento da criminalidade. Há não muito tempo o fenômeno já assustava os habitantes das grandes cidades, mas havia ilhas de paz na maior parte dos núcleos urbanos do interior. Não mais. A vida, na luta diária, é um traste que o delinquente joga no lixo com indiferença assustadora.
Alguns dos melhores estudiosos da questão persistem no debate interminável sobre o que fazer. Dinstinguem o curto prazo das medidas de urgência e o longo prazo da criminalização de novas condutas, dosagem das penas (devem ou não ser agravadas?). Insistem na progressividade do cumprimento da condenação, abrandado à medida em que o condenado tenha bom comportamento, entre outros requisitos (é bom libertá-lo antes do término do prazo da sentença? Como estimular, com medidas sociais, a queda dos índices de criminalidade?)
Os denominados crimes hediondos, para desgosto de muitos especialistas, não admitem a progressividade. Para saber que orientação servirá melhor à sociedade, pode-se partir do caso mais freqüente na crônica policial, o do estupro. Trata-se da cópula não desejada pela mulher, pouco importando, no caso, que seja virgem, solteira ou casada, honesta ou não, mediante ato de violência praticado ou apenas ameaçado.
O vocábulo estupro é mal empregado na linguagem comum. Às vezes se ouve ou se vê "estrupo", trocando o lugar da letra "r". A colocação agravada desse crime decorre do artigo 5º, inciso XLIII da Constituição, pelo qual são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia os definidos por lei como hediondos. Trata de conduta provida de especial periculosidade ou de tal violência que se recomenda o agravamento severo da pena e das regras de seu cumprimento. Em função dessa norma, a Lei n. 8.072/90 incluiu no seu rol, com alterações posteriores, várias condutas gravíssimas, cujas condenações são inteiramente cumpridas em regime fechado, excluindo a progressividade, a qual pode até reduzir o tempo de prisão. A meu ver, a hediondez constitucional deve ser mantida, não tendo razão o velho político que recomendava ao delinqüente, "estupre, mas não mate!"
Refiro três alternativas desse crime. Constitui causa de agravação da pena a prática por vários agentes, ainda que um ou alguns deles não tenham mantido relação sexual com a ofendida. Discute-se se é ou não é crime a prática forçada do sexo, pelo marido em relação a sua esposa, sendo dominante a opinião de que o delito se caracteriza. O marido pode pedir separação ou divórcio caso a mulher se recuse ao sexo, mas não a forçar à relação. A provocação de ferimentos graves na vítima, no ato do estupro, é crime autônomo, cabendo a ação penal instaurada pelo Ministério Público independente de queixa da vítima. São elementos a examinar. O estupro, porém, deixa marcas psicológicas e físicas, que nunca se apagam, prosseguindo por toda a vida da vítima. É razoável, diante da conseqüência, que o autor dessa conduta também sofra punição tão grave quanto o efeito produzido.


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