São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Mestres do tempo


Cada vez menos sabemos como lidar com o tempo, numa ansiedade constante do excesso de informação

É UM DOS presentes mais inusitados que alguém já ganhou no Dia das Mães: um salto de paraquedas. Ainda mais quando a homenageada tem mais de 70 anos. Mas esse presente foi em 2008. Neste ano, Geralda Ferreira de Araújo está aprendendo a pilotar uma asa-delta.
Geralda é um dos personagens de um ensaio fotográfico, ainda em andamento, intitulado "Mestres do Tempo", sobre brasileiros, anônimos ou famosos, que não perdem a curiosidade e, por isso, se mantêm interessados e interessantes.
Ela é a caçula da turma -a maioria já passou dos 80 anos. Tatiana Belinky, 90, só começou a escrever livros infantis aos 56 anos e nunca mais parou. "Nunca fiz planos, foram os planos que me procuraram."
Faz meio século que Benedito Sbano, 81, é o palhaço Picoly. A velhice não abalou seu ritual de passar várias horas por semana em frente ao espelho testando novas caretas ou treinando a voz. "Estou sempre sonhando com coisas novas para minhas apresentações. Deixo a idade passar, não me preocupo com isso."
Diana Tannos fez parte da primeira turma de medicina da PUC em Sorocaba, em 1951 -a primeira escola de medicina do interior de São Paulo. Está agora com 80 anos, continua dando aula de histologia e nunca perdeu o hábito de se atualizar com os novos conhecimentos científicos. "O médico deve sempre ter tempo para estudar."

 

Pergunto à responsável pelo projeto, Alessandra Trindade, o que ela encontrou de comum entre os personagens que escolheu. "Parece que todos não têm tempo de ficar pensando no tempo passar, de tão focados que eles são nos seus projetos."
Pessoas tão velhas, vindas do início do século passado, quando ainda faltava muito para a televisão ser descoberta e o telefone era quase uma novidade no Brasil (as ligações interurbanas exigiam extrema paciência), exibem uma dica de contemporaneidade. Num mundo apressado (e cada vez mais apressado), elas revelam a arte de lidar com o tempo -e não ser refém dele.

 

Nós nos consideramos avançados porque, agora, temos ao nosso alcance o tempo real, mas cada vez menos sabemos como lidar com o tempo, numa ansiedade constante do excesso de informação.
Uma das mais interessantes críticas que já vi sobre o culto exacerbado é uma brincadeira tecnológica feita por um grupo de estudantes americanos. Colocaram um sensor na privada, conectado ao Twitter, treinado para traduzir em instantes (e para todo o planeta) os movimentos intestinais. O nome do projeto é uma gozação intitulada "Shit Happens", que, além da alusão direta, é uma expressão que significa algo como "desastres acontecem".

 

Críticas retrógradas à tecnologia não são novidade, apenas revelam o medo do novo. Novidade é que, aos poucos, vai se disseminando uma visão de que retrógrado é não saber lidar com o tempo e ficar refém e sem foco diante de tanta informação.
Prospera o movimento do slow food em contraposição ao fast food. O tempo médio de leitura do site do jornal "New York Times" não passa de dois minutos -bem menos do que o tempo de espera em qualquer semáforo.
Retrógrado é não saber desligar nunca o computador, não parar de ver e-mail, onde o lixo se amontoa. É ter o prazer de conversar com alguém desconhecido ao longe, mas não enxergar quem está perto. É não saber contar ou ouvir uma boa história. É não ter paciência de ler um romance, com as profundezas da natureza humana. É não saber ficar em silêncio.
É ficar trancado horas e mais horas num quarto na frente de um computador. É nunca sentir, como dona Geralda, o prazer de se jogar, no Dia das Mães, de um paraquedas ou aprender a voar numa asa-delta, ou o encanto de um palhaço que tenta se reinventar, na frente dos espelhos, todos os dias. Ou de uma escritora infantil que se sente mais criança do que seus leitores.

 

Por essas e outras é que considerei um avanço a obrigatoriedade do ensino de filosofia nas escolas -é assim que se pode conhecer um pouco mais os vários mestres do tempo.

 

PS - Há um fato que merece registro sobre o livro "Mestres do Tempo", mas está atrás da câmera. A tarefa de fotografar aqueles personagens foi dada a um adolescente (Victor Dragonetti) que ainda está no ensino médio. "Muitos deles parecem mais jovens do que eu", conta.
Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) algumas das fotos, que incluem, entre outros, dona Canô (mãe de Caetano Veloso), Cleyde Yaconis, Altamiro Carrilho e Dorina Nowill.

gdimen@uol.com.br


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