São Paulo, Segunda-feira, 10 de Maio de 1999
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COTIDIANO IMAGINÁRIO

O protesto dos fantasmas

MOACYR SCLIAR

"Vizinhos de Enéas também eram fantasmas" Cotidiano, 6.maio.99

"Em nome do Sindicato dos Fantasmas, estamos vindo a público para protestar contra o uso indevido que se vem fazendo do termo "fantasma". Somos, como não se ignora, uma antiga e nobre categoria. A origem dos fantasmas perde-se na noite dos séculos. Demos à História nomes famosos. O fantasma que surgiu diante de Hamlet foi imortalizado por Shakespeare. O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, emocionou gerações, e bem assim o Fantasma da Ópera. Até mesmo Pluft, o Fantasminha, tem a sua aura de dignidade, mesclada com humor. Agora, porém, surgem pessoas que se intitulam fantasmas apenas para tirar proveito pessoal. Mulher de vereador é fantasma, amigo de vereador é fantasma e até vizinho de vereador pretende-se fantasma. Onde vamos parar? Onde estão as credenciais desta gente? Nós somos fantasmas, mas estamos presentes em nosso local de trabalho. O Fantasma da Ópera jamais saiu do teatro em que operava; dava expediente de 24 horas lá. Os pretensos fantasmas não apenas não aparecem, como também figuram em folhas de pagamento, o que nos parece um acinte. Nosso trabalho, senhores, é essencialmente voluntário. Assombramos as pessoas porque é nosso dever fazê-lo, não porque sejamos pagos para tal.
Em nome de nossa categoria, exigimos providências. Queremos que nos lugares frequentados pelos falsos fantasmas sejam instalados sofisticados painéis eletrônicos, semelhantes àquele que existe na Câmara Municipal de São Paulo, mas sensíveis somente ao ectoplasma, o verdadeiro ectoplasma do qual são feitos os autênticos fantasmas. O fantasma que não comprovar sua presença no dito painel deverá ser retirado imediatamente da folha de pagamento.
Se o nosso pedido não receber atenção, agiremos por conta própria e de imediato. Já estamos em contato com uma firma especializada de caça-fantasmas. Trata-se de uma profissão contra a qual temos várias e óbvias restrições, mas à qual não hesitaremos em recorrer, em defesa de nossa milenar tradição. Fantasmas unidos jamais serão vencidos. Falsos fantasmas: digam a que vieram ou desapareçam para sempre. Mas desapareçam mesmo. De assombrações como vocês o mundo está farto."


O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.


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