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SAÚDE
Nova técnica, chamada microdissecção, extrai células reprodutivas dentro dos testículos e pode ajudar homens inférteis
Cirurgia inédita resgata espermatozóides
MARCELO LEITE
especial para a Folha
Há quem tente de tudo para gerar um filho próprio, biológico. J.
S., 31, foi parar na sala 9 do Centro
Cirúrgico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. São
14h03. Dentro de minutos ele terá
o testículo direito aberto ao meio.
É uma técnica cirúrgica para colheita de espermatozóides pioneira no país. O mais comum, até agora, eram incisões superficiais na
gônada masculina, as chamadas
microbiopsias.
Há outras nove pessoas na sala,
além de J. S. Só quatro estão diretamente envolvidas na operação: os
urologistas Agnaldo Cedenho e
Marcos Mori, seu auxiliar, um
anestesista e uma enfermeira.
Duas biólogas aguardam a coleta
com plaquetas mantidas a 32º C, 2
a 3 graus abaixo da temperatura
normal de um testículo, para evitar
proliferação de bactérias. Maria
Cristina Malheiros Negrão, bióloga-chefe, explica à reportagem da
Folha o que acontece.
Um cinegrafista registra tudo em
vídeo. A fita deverá ser apresentada no Congresso Brasileiro de
Urologia, em novembro.
São 14h26. O bisturi abre 1 cm da
pele do saco escrotal. Aparece uma
membrana esbranquiçada, a "tunica vaginalis". Novo corte.
"Kellys" (um tipo de pinças) puxam e forçam pela abertura o testículo, muito branco e oval.
Já transcorreram 23 minutos,
muitos deles gastos em ajustes de
foco e iluminação. J. S. está anestesiado e inconsciente. O braço do
microscópio Zeiss de cirurgia já se
encontra por sobre a mesa.
A aparelhagem custa entre R$
263 mil e R$ 350 mil. Fica toda envolta por plástico esterilizado,
transparente. Só os binoculares,
um de cada lado, ficam de fora.
As imagens passam a ser gravadas na câmera digital JVC acoplada ao microscópio. Muitos problemas com foco. O zoom é controlado com o pé por Cedenho.
"Agora vamos começar a abrir
para valer", avisa o professor da
Unifesp (antiga Escola Paulista de
Medicina). Cedenho dá dois pontos cirúrgicos, com 4 mm entre
eles. Servem para reduzir o sangramento do testículo, quando o bisturi cortar.
O corte revela a massa amarela
dos microtúbulos, labirinto testicular (veja desenho) onde ocorre a
espermatogênese, ou seja, a produção de espermatozóides.
Cedenho aprofunda o corte, alcançando o centro do testículo.
Examina os túbulos para escolher
aqueles intumescidos e opacos,
onde há mais espermatozóides.
Essa seleção é a grande vantagem
da microdissecção sobre a microbiopsia. Outra é colher material do
centro do órgão, aumentando a
chance de encontrar gametas.
Às 15h20, Cedenho corta dois
fragmentos. As biólogas os põem
sobre as placas. Deixam a sala 9.
O médico termina de costurar o
testículo e a bolsa escrotal. São
15h32 -uma hora e seis minutos
para resgatar a esperança de J. S.
no fundo de seu testículo.
Ordenha
Dezesseis minutos depois, Cedenho se encontra sentado à lupa Nikon SMZ-U do setor de Reprodução Humana do Hospital Alemão
Oswaldo Cruz, para a "aquisição
de células". Vai "ordenhar" os túbulos com um par de pinças.
Os túbulos, que têm 150 a 200 mícrons (milésimos de mm) de espessura, são espremidos com as
pinças. O conteúdo é diluído em
uma solução. Com sorte, dará alguns espermatozóides.
As plaquetas, com suas microgotas de expectativa e células, passam
para Maria Cristina Negrão. Ela já
está instalada na alma do laboratório, um micromanipulador. Começa a busca por espermatozóides
no material ordenhado.
Além dessa procura, os "joysticks" desse aparelho sensível permitem que se realize a Icsi (abreviatura em inglês para "injeção intracitoplasmática de espermatozóide"). Na Icsi, cada espermatozóide é injetado dentro de um óvulo, com micropipetas.
Não é o caso de J. S., por ora. Não
foram achados espermatozóides
maduros em seu material, só células precursoras (espermátides).
Elas serão amadurecidas em um
meio de cultura, durante 48 horas,
para uma futura Icsi.
Eficiência
Agnaldo Cedenho travou contato com a microdissecção lendo um
trabalho de Peter Schlegel, da Universidade Cornell (Nova York). Ele
o havia apresentado em Dallas
(Texas) no começo de maio, durante reunião anual da Associação
Urológica Americana.
Schlegel aplicou a técnica para
colher material de 27 pacientes
com ausência de espermatozóides
no sêmen (ou "azoospérmicos
não-obstrutivos"). Comparando
resultados com 22 biopsias tradicionais, relatou que a taxa de sucesso passou de 45% a 63%.
Isso quer dizer que, pelo método
convencional, obtiveram-se espermatozóides em 10 dos 22 casos,
contra 17 em 27 microdissecções.
Aumentou também a quantidade
de gametas por amostra.
Retirando apenas 10 mg de túbulos, Schlegel conseguiu em média
160 mil espermatozóides. Nas
amostras 72 vezes maiores das
biopsias (720 mg), a média foi de
64 mil células reprodutivas.
"Esse procedimento preserva
muito mais o volume do testículo,
pois retira fragmentos previamente escolhidos, aumenta as chances
de sucesso no tratamento, evita
sangramento e possibilita a criopreservação (congelamento) de
espermatozóides para futuros procedimentos", diz Cedenho.
Por ora, a sofisticação está disponível somente para clientes privados de Cedenho no Hospital Oswaldo Cruz. A mesma equipe trabalha na Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), que ainda
não dispõe dos mesmos recursos
técnicos (microscópio cirúrgico e
micromanipulador), o que pode
ocorrer ainda este ano.
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