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CARIDADE ELEITORAL
A exemplo do que ocorre no Norte e Nordeste, prática inclui distribuição de cadeira de rodas
Vereadores atraem voto com doações
Vania Delpoio/Folha Imagem
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Faixa de Jorge Taba (PSB) afixado no pátio da igreja Santa Edwirges pelo padre Antonio da Silva, que recebeu ajuda do vereador |
ALENCAR IZIDORO
CHICO DE GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL
A placa não existe, mas a propaganda em alguns escritórios políticos de vereadores poderia ser:
"Troque seu voto por uma cadeira de rodas". O clientelismo, comum no interior do país, principalmente nas regiões Norte e
Nordeste, é prática arraigada
também entre os parlamentares
de São Paulo, a maior cidade da
América Latina.
Para cativar os eleitores, vale
doar de boi a cadeira de rodas, de
óculos a material de construção,
de enxoval a remédio, passando
pela tradicional cesta básica.
A rede assistencialista não pára
por aí: oferece advogado, emprego, patrocina campeonatos, banca transporte gratuito, custeia formaturas, cede ambulâncias.
Isso sem contar o pagamento de
enterros, num gesto de solidariedade à dor alheia e de interesse na
própria eleição.
O vereador Jorge Taba (PSB),
por exemplo, deu dinheiro recentemente para uma paróquia do
Jardim Miriam (zona sul) realizar
um almoço para a comunidade.
Usando sua influência, também
evitou, há três meses, que o padre
Antonio Alves da Silva mofasse
na fila de um hospital municipal.
Ele, que admite, com muito orgulho, dar remédios, transporte e
carro de som aos eleitores, esclarece os motivos de tanta bondade:
"No dia em que a gente passa a
não praticar esses pequenos atos,
começa a perder voto".
No melhor estilo do "é dando
que se recebe", o padre Silva já colocou uma faixa do vereador no
quintal da igreja. Ele se recusa a liberar a parede para outro candidato. "Isso não é mural."
Outro que também lança mão
desse recurso é Toninho Paiva
(PFL). Há dois anos, ele doou um
animal para uma igreja da Vila
São Francisco (zona leste) promover um churrasco. A finalidade da boa ação era a mesma: garantir futuros votos.
Na mesma região, Paiva forneceu material para a construção de
um campo de malha. "A gente
procura dar uma colaboração,
com areia, cimento, para uma
área que vai ser desfrutada pela
comunidade. Qualquer coisa individual, não conte comigo", diz.
O resultado pode ser notado no
cadastro que mantém: os potenciais eleitores passam de 50 mil.
A lógica é a mesma da de Edvaldo Estima (PPB). No primeiro
mandato, elegeu-se com 14 mil
votos. No último, foram 54 mil.
"Foi um reconhecimento gratificante", diz ele.
A líder comunitária Rosa dos
Santos, 49, é uma das pessoas gratas a Estima. "Ele deu a laje da minha associação."
"O coração não aguenta. O que
eu ganho como vereador eu gasto
na política. Quem me sustenta é a
minha empresa", afirma Estima
Mesmo quem diz não gastar dinheiro próprio, como Gilson Barreto (PSDB), usa a criatividade
para ganhar a simpatia do eleitor.
Barreto mantém em São Mateus
(na zona leste) um espaço político
e cultural aberto à comunidade.
Além de fornecer orientação jurídica e promover torneios, também cede o local, todo pintado
com seu nome, para casamentos,
batizados, festas e formaturas.
Falta de garantias
Especialistas avaliam que esse
clientelismo decorre da falta de
garantias básicas de saúde, educação e bem-estar social para a
maioria da população.
"O poder público funciona mal,
e o vereador utiliza esse mau funcionamento para se beneficiar",
afirma André Singer, professor da
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo).
"Para mudar essa situação, dependeria de uma mudança nas
condições de vida ou na mentalidade da população", diz.
Para Maria D'alva Gil Kinzo,
professora do Departamento de
Ciências Políticas da USP, o clientelismo é um círculo vicioso, isto
é, o vereador aproveita-se da carência do eleitor e dá o que ele
precisa momentaneamente. O
eleitor, por sua vez, acredita que a
função de um bom político é lhe
prestar um favor quando precisa.
Maria D'alva afirma que o clientelismo é uma prática antiga na política paulistana, mas acentuou-se
nas administrações de Jânio Quadros (1985-88), Paulo Maluf
(1993-96) e na gestão do atual prefeito, Celso Pitta.
Que a prática da doação interessada rende dividendos eleitorais,
ninguém duvida. O vereador Brasil Vita (PPB), há quase 40 anos na
Câmara, afirma que o vereador é
o único político que tem uma
"clientela eleitoral".
Ele recusa o caráter pejorativo
da palavra clientela, mas diz que
essa proximidade do vereador
com o eleitor facilita os pedidos.
"Somos despachantes de luxo."
Integrante da tropa de choque
do prefeito Celso Pitta, o vereador
Wadih Mutran (PPB) orgulha-se
de distribuir óculos, cadeiras de
rodas, muletas e até de bancar o
pagamento de enterros.
Eleito basicamente com votos
da Vila Maria, na zona norte, tradicional reduto janista, ele também ajuda a liberar corpo no IML
(Instituto Médico Legal) e oferece
caminhão para mudança. Depende da necessidade do eleitor.
O carro-chefe da caridade são
cinco ambulâncias. A primeira foi
adquirida por Mutran em 1983.
Desde então, foram mais de 30
mil atendimentos, todos devidamente catalogados em fichas.
Mas, na eleição passada, a Justiça Eleitoral o condenou por essa
prática. Para a Justiça, Mutran cometeu abuso financeiro.
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